segunda-feira, 28 de março de 2011

Um prêmio da vida

Eles chegam à padaria todo dia muito cedo. Vêm de carro e param do outro lado da rua. Ele se preocupa em sair mais rápido, para a acompanhá-la enquanto ela deixa o carro. Deixa a mulher seguir um pouco à sua frente, sempre observando os lados, para garantir que a rua está livre para ela atravessar sem perigo algum.

Todos os dias eu os encontro na padaria. Deise é discreta. Usa sempre calças em tons escuros, blusas de cores neutras, sem decotes. Não é bonita. Mas é altiva, imponente. Com 38 anos, mede 1,70, é magra, tem cabelos muito pretos, que usa na altura dos ombros, e ostenta traços orientais. Foram eles que um dia chamaram a atenção daquele homem. Adilson não é oriental, nem descendente. Seus avós vieram da Espanha e de Portugal. É bem mais baixo que Deise, tem cabelos totalmente brancos e já alcança os 50. Usa terno, camisa bem passada, às vezes gravata, e é muito mais falante.

Não aparentam nada em comum. Mas quem os vê juntos não tem dúvida de que foram feitos um para o outro. Adilson sempre se sentiu atraído por orientais. Já na adolescência, época em que rapazes e moças gostam de definir seus “tipos preferidos”, as meninas de olhos puxados chamavam sua atenção. Nunca, porém, conseguiu conquistar o coração de nenhuma.

— Dizem que os japoneses são tímidos. Mas eu é que travava na frente de uma japonesa. Elas me intimidavam — lembra.

Foi só na maturidade, quando já tinha fama de tio solteirão, que Adilson teve coragem para abordar uma japonesa que o atraía: Deise, a vizinha do apartamento da frente. Ele a conquistou com uma atenção contínua, um apoio sem cobranças, uma delicadeza em qualquer situação.

Hoje, ela é a sua vida. Para ele, cada movimento dela é como um prêmio. Tem por ela um amor tão grande que dá medo: o que pode ocorrer se um dia Deise, tão dona de si, descobrir outro rumo?

Por enquanto, porém, tal possibilidade parece que não existe. Adilson acredita que a delicadeza na vida rotineira é a diferença que pesa para o bem na hora que as crises reais ameaçam uma relação. Para ele, o cuidado diário com o outro é um tipo de crédito que ameniza os problemas, que inevitavelmente chegam à vida de todos. Deise gosta disso, e aceita os cuidados do marido sem restrições. Quando entram na padaria, ele com a mão esquerda tocando levemente a sua cintura, o balconista já sabe o que preparar:

— Dois pãezinhos na chapa — grita para o chapeiro, enquanto serve os dois pingados.

Adilson, então, pega os copos quentes e os leva até a mesa onde Deise está. Ela retribui com um sorriso. Sem pressa, tomam o café, pagam a conta e saem. De lá, cada um seguirá a pé para seu trabalho. No tchau rotineiro, Adilson a abraça de leve, a beija com um toque nos lábios e deseja:

— Um grande dia para você.

Publicado na revista Diário DEZ! em 6 de julho de 2008




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