quinta-feira, 14 de abril de 2011

Na mesma esquina

E lá estavam eles novamente, abraçados, como há quase 20 anos. Álvares e Elisa não haviam planejado aquilo. Tinham acabado de sair de uma reunião com a velha turma da faculdade, cada um para um lado da cidade, e nem imaginavam quando iriam se rever.

Mas Elisa estava muito curiosa para saber o que Álvares havia achado do reencontro, organizado pelos dois, pela internet. E ligou no número do celular que ele acabara de gravar para ela.

— Fiquei constrangido... Mas... foi com você!

Álvares e Elisa haviam tido um estranho caso durante a faculdade. E nenhum deles sabia ao certo como tinha terminado. Os dois nunca assumiram um namoro. Álvares queria sair com quem bem entendesse e Elisa não achava que tinha o direito de cobrar fidelidade. Um dia, porém, percebeu que não tinha saúde emocional para levar uma relação tão aberta e partiu para outra. A ele, não disse palavra. E ele também não procurou saber.

Só se reencontraram anos depois, graças à internet. “Oi, tudo bem? Te encontrei no Orkut. Tinha certeza de que te acharia neste mundo virtual. Estou procurando velhos amigos. Manda notícias. Bjs. Álvares” — dizia a primeira mensagem que recebeu dele.

Elisa se considerava uma mulher bem resolvida. Mas sabia, lá no fundo do coração, que nunca havia esquecido Álvares. Secretamente, fez da imagem dele uma espécie de “amigo imaginário”, a quem contava tudo. Por isso, tinha certeza de que voltar a falar com Álvares lhe traria algum bem.

Conforme iam trocando mensagens, colocavam os pingos nos “is” que ficaram do passado. Foram descrevendo as mágoas que sobraram e tentando explicar os porquês das atitudes tomadas. Não pediram desculpas, porque a vida já havia tirado a razão de muitas coisas feitas lá atrás.

Foi aí que veio a idéia de organizar o reencontro da turma. Os dois estavam morrendo de vontade de se ver, mas sozinhos não tinham coragem nem de propor. E em território neutro tudo é mais fácil.

Umas dez pessoas apareceram. Elisa foi a última a chegar. Álvares já achava que ela ia dar o cano. Os olhos dos dois brilharam quando se viram. Se abraçaram de saudades e sentaram um ao lado do outro. Conversaram sem parar, rindo um do outro e de todos. Na hora de ir embora, nenhum dos dois queria, de verdade, ir sozinho. No meio do caminho para casa, sem agüentar de curiosidade, ela ligou para ele:

 — O que achou do reencontro da turma?

— Fiquei constrangido... Mas... foi com você!

Ela resolveu entender o que aquilo significava. Ainda pelo celular, ele a guiou até onde estava. Desceram dos carros e se largaram um nos braços do outro. No meio da multidão de estranhos, na rua, estavam ainda mais à vontade. E se beijaram. Não escolheram, mas talvez por coincidência, ou pela providência, a esquina era a mesma onde haviam se conhecido, há 20 anos.

Publicado na Diário DEZ! em 20 de julho de 2008

02/05/2010 - AS DORES DO AMOR

A dor de cabeça repentina o derrubou no chão.


Elisa ficou assustada. Não sabia o que fazer. Tentou

levá-lo ao hospital, mas tudo o que Álvares

queria era ir embora daquela praia, voltar para a

cidade, para casa. Ela não entendia o que estava

acontecendo. Por que, subitamente, aquela dor e a

vontade de partir? Não havia motivo.

A noite tinha sido ótima. Eles não haviam bebido

e fizeram amor até de madrugada. Quando ela

acordou, cedinho, ele dormia tranquilo ao seu lado.

A barraca estava aberta e ela olhou o mar. Sentiu

um frio na barriga— era a primeira vez que

passava a noite toda com um homem. Quando ele

acordou, parecia feliz. Saiu para ir ao banheiro e

voltou com a cara fechada, falando da dor, do

tombo, que iam embora,mas não explicava nada

para ela. Elisa sentia como se tivesse feito algo para

aquilo acontecer. Mas não sabia o quê.

Talvez por isso o romance de Álvares e Elisa tenha

durado tão pouco. Na verdade, acabou ali. De

volta à cidade, nunca mais falaram sobre o que tinha

acontecido naquela manhã e, logo depois,

deixaram de se ver. Muitos anos se passaram até

que se reencontrassem. E foi como uma explosão

de sentimentos. Eles não sabem dizer se foi a lembrança

da noite de amor na praia ou pura saudade,

mas o que aconteceu é que os dois recomeçaram o

romance. Foi um movimento mais forte do que

eles. E omelhor é que, agora, a barraca não era

mais necessária. Cada um tinha a sua casa.

A primeira noite foi na casa dele. Ainda cedo,

estavamfazendo amor. Só deixarama cama perto

da hora do almoço. Decidiram comer fora. Quando

já estavam prontos para sair, ele parou no meio

da sala e colocou a mão da cabeça. Parecia grave.

— De repente veio essa dor insuportável! Não

vou conseguir sair de casa, desculpe — ele disse.

Elisa mal podia acreditar. Parecia um remake.

“O que eu fiz?”, se perguntou. Mas respirou fundo

e o fez deitar em seu colo. Talvez comumcarinho

aquilo passasse. Então, ela perguntou:

— Engraçado... Aquela vez, na barraca, foi a

mesma coisa, você se lembra?

— É que tenho cefaléia orgástica. Acontece

sempre quando é tudo muito bom. E aquela vez,

na praia, foi a primeira crise! — ele confessou.

Elisa caiu na gargalhada. Afinal, a “desgraça”

dele era, realmente, sua “culpa”. E saber daquilo,

para ela, foi muito, mas muito bom.

25 de abril de 2010 - CASAMENTO sem festa

CASAMENTO SEM FESTA

Sheila achou que já tinha


superado a paixão que sentia

por Marquinhos quando recebeu

o convite do seu casamento.

Sentiu um frio bom na barriga.

Lembrou de todos os momentos

importantes do seu

namoro de tantos anos atrás.

Morava no sítio e era ainda

uma menina quando conheceu

o Marquinhos. Os dois

iam juntos para a escola. A

amizade de criança se transformou

em namorico e, depois,

em paixão juvenil.

Na época, beijos e encontros

às escondidas eram o máximo

de ousadia a que eles se

permitiam.

—Aconteceu que minha

mãe nos pegou no pomar, encostados

em uma jabuticabeira.

Foi uma confusão.

Descoberto o namoro,

Sheila e Marcos tiveram de ouvir

dos pais toda a ladainha sobre

o perigo que o namoro cedo

poderia provocar no seu futuro.

Sheila queria muito estudar.

Não gostava da vida do sítio,

queria conhecer omundo.

Marcos não. Ele também queria

estudar, mas estava decidido

a continuar no interior.

— E foi assim que o namoro

acabou. Ele até que insistiu,

eu chorava como uma louca,

mas tinha um medo danado

de ficar como minha mãe:

uma sitiante cheia de filhos.

Depois, já formados, chegarama

se ver, mas, para ela,

era impossível conciliar suas

novas vidas. Aquilo tudo tinha

acontecido há tanto tempo

que Sheila não viu motivos para

faltar no casamento do exnamoradinho.

Mas na cidade do interior

onde todos se conheciam, a

chegada dela para a festa causou

um certo furor. A família

do noivo ficou tensa. A dela a

aconselhou que faltasse à cerimônia.

O que Sheila não sabia

é queMarcos tinha demorado

anos para conseguir se relacionar

com outra moça. E aquela,

a noiva, era de fora, não sabia

de toda a história dos dois.

Sheila, porém, não deu ouvidos

a ninguém. Achava toda

a preocupação um exagero.

— Gente, somos adultos!

Tudo isso já passou! — dizia.

Mas, sem se dar conta, ao

longo do dia, Sheila bebeu

mais do que de costume. Trôpega

e eufórica, quando chegou

à igreja, mal conseguiu

respirar quando viu o noivo.

— Ele está lindo! — disse à

sua irmã.

Toda a paixão adolescente

voltou de uma só vez. A vontade

de Sheila era gritar para o

noivo desistir daquele casamento.

Dizer para ele que ela,

enfim, estava lá, que sim, o

amava loucamente.Que, todo

esse tempo, tinha só se enganado.

Que sua vida fora da sua cidade

natal era, de fato, um saco

— não era feliz, não tinha ninguém,

era solitária.

E, cheia da coragem que a

bebida dá, estava prestes a correr

para o altar quando começou

a tocar a marcha nupcial.

Sua autoconfiança foi parar no

pé. Sentada no fundo da igreja,

tinha uma visão privilegiada

da noiva parada na porta,

pronta para dar o passo mais

importante de sua vida. E a visão

da moça foi um choque.

— Ela é linda! — cochichou

no ouvido da irmã, desatando

a chorar sem parar.

A irmã precisou tirá-la da

igreja. Os soluços cortavam o

silêncio da cerimônia. De carro,

foram para uma cidade vizinha,

longe da festa. Dormiram

em um hotel e, no dia seguinte,

tudo o que Sheila queria

era voltar para casa e esquecer

que um dia tinha tido um

namoradinho no interior.

Embaixo do lençol

A menina de 4 anos ficava empolgada quando via aquele perfil conhecido de longe. Rita não tinha 50, mas parecia já ter passado dos 60. Tinha pressão alta, varizes e outras doenças que os médicos diziam ser relacionadas à idade. Mesmo assim, trabalhava numa casa de família. Era miúda, muito enrugada, cabelos armados e cinzentos, e usava saias abaixo do joelho que a faziam parecer ainda mais maltratada. Mas, para Bianca, a menina que a esperava na janela com ansiedade, aquela senhora era a visão da felicidade: linda, divertida e forte.

Rita era sua avó. Sexta-feira era o dia que ela chegava. Podia fazer o tempo que fosse, Rita podia estar se sentindo mal, nada a impedia de, toda sexta, deixar a casa dos patrões para passar o fim de semana com a única neta que Deus havia lhe dado. Mãe de cinco homens, Rita sentia através da neta a possibilidade de recuperar toda a feminilidade que ela , por força da vida, foi deixando pra lá.

— Ela é menina. Merece a delicadeza. Vocês não precisavam disso — dizia para os filhos, com quem sempre foi o que gostava de chamar de firme.

— Homens não choram!

Para a Bianca, toda sorte de mimos era possível. E a menina adorava roupas novas, de preferência as que precisavam de algum ajuste. É que o ato de acertar uma barra ou afinar a cintura de um vestido era sempre uma festa. Rita colocava Bianca sobre uma cadeira e as brincadeiras começavam.

— Fica quieta, menina, senão sem querer eu te espeto! — dizia, dando risada.

E Bianca se desmanchava de alegria e de encantamento.

Nada, porém, deixava Bianca mais feliz do que o momento de chegada da avó à sua casa.

— Morávamos no último sobradinho de uma vila particular. Da janela do meu quarto, eu via a ruazinha de paralelepípedos que ligava o resto do mundo ao pátio da vila. E de lá eu via aquela figura miúda chegando. Só aquela visão me excitava: corria para preparar-lhe uma surpresa. E me escondia no melhor lugar da casa: embaixo do lençol. Acreditava que desaparecia. As crianças acreditam que, sob o lençol, a cama fica lisa. E eu ficava na expectativa, ouvindo seus passos subirem a escada, ela entrar no quarto e perguntar por mim. Alguém dizia que eu tinha saído, e ela se sentava sobre mim, e eu ria e dizia: “Vó, estou aqui”, e ela se fingia de surpresa. Ríamos a valer.

Sempre quando Bianca conta essa história ela se emociona. Chega a chorar e não sabe direito o porquê: se é saudades da avó ou daquela menininha que acreditava que o lençol sobre ela era o esconderijo perfeito.

— É que hoje sei que os esconderijos perfeitos não existem. E que também não existe mais a menina. Só existe a mulher.

Publicado na Diário DEZ! em 13 de julho de 2008.

domingo, 10 de abril de 2011

18/04/2010 - UM ÚLTIMO desejo

04/18/2010 UM ÚLTIMO DESEJO Foi só por amor que ele a levou para o altar. João não tinha religião, nem acreditava em rituais de passagem ou convenções sociais. Mas ele a amava, apesar de nunca ter conseguido declarar-se com todas as letras. O importante, porém, é que Edite sabia. Ela também não precisava de palavras ditas ou escritas, mas acreditava em Deus, em destino, em carma e, naquela altura de sua vida, precisava de ações concretas. Edite e João moravam juntos havia 15 anos. Na juventude, namoraram por três anos — um romance cheio de brigas e desencontros. Até que João conheceu outra, se encantou e, em três meses, se casou. Foi um baque para Edite. — Por quê? – ela quis saber, na véspera do casamento. — Porque a Tina é descomplicada. Eu gosto de você, mas estou cansado de problemas. Era uma noite morna de primavera. Edite tinha ido até a casa de João por ter esperanças de fazê-lo mudar de ideia. Mas, com a resposta, sentiu seu coração congelar. Ela pensou que ia morrer de tanta dor. Mas sobreviveu e buscou a felicidade em outros romances, no trabalho e na religião. João, por sua vez, percebeu que não existe ninguém descomplicado. Três filhos e 16 anos depois do casamento com a moça que não lhe daria dores de cabeça, deu-se conta de que nunca seria feliz com ela. E separou-se. Só pensava em rever Edite. Mas não foi fácil. Primeiro, teve de encontrá-la. A ex tinha sumido do mapa. A internet o ajudou, mas a busca demorou mais de um ano. Quando ele conseguiu localizá-la e fazer o primeiro contato por um endereço de e-mail, veio o pânico. — E se ela estiver casada e feliz? E se ela me achar horroroso? Por que ela ia querer falar comigo? — pensou, assim que clicou na tecla enviar. Só que Edite respondeu. Ela estava surpresa com o contato, mas, no fundo, esperava que ele viesse, um dia. Enquanto escrevia a resposta, porém, a mágoa e o ressentimento ainda a moviam. Mas queria superar aqueles sentimentos e aceitou revê-lo para conversar. Para o mundo, os dois tinham mudado muito nos últimos anos. Mas um não enxergava no outro tantas diferenças. — Era como se a gente tivesse continuado uma conversa que paramos ontem — me explicou João. Aos poucos, eles retomaram o namoro, também as antigas brigas, e em pouco tempo decidiram morar juntos. João descobriu que era só na controvérsia que ele seria feliz. Tiveram um filho, montaram um negócio juntos, enfim, viveram a vida sem medo. Mas, para Edite, faltava algo. Ela era religiosa. Aceitava viver sem casar na igreja porque João era ateu, mas ainda sonhava com aquela parafernália toda da cerimônia religiosa. A resistência dele, porém, acabou numa tarde de inverno. Edite foi internada às pressas e só então João descobriu que ela estava doente. Quando saíram do hospital, a pediu em casamento. Tudo foi impecável. Edite tinha a convicção de que João só fazia aquilo porque a amava. Ele chegou a pensar que a realização daquele sonho podia curá-la. Mas, no final, percebeu que não. Uma semana depois ela se foi. E ele guarda com um certo orgulho a imagem dela, feliz como nunca, no seu vestido branco.

11/04/2010 - O NAMORADO IDEAL

— Agora estou feliz. Após 11 anos de separação,


tenho, enfim, um novo relacionamento. E estável.

Mas, quer saber do melhor? Não tenho nenhum

compromisso — foi assim que Roselyme

contou sobre seu novo namorado.

Ela dizia que era isso que vinha buscando desde

queMateus a largou. Na época, foi umduro baque.

Os dois estavam juntos há uns 15 anos. Tinham

uma história de amor até que comum: se

conheceram quando eram crianças, começaram a

namorar no ginásio e, assim que terminaram o colégio,

ela engravidou. Então, viram-se obrigados a

casar. Um ano depois, ela mal havia perdido os

quilos da primeira gestação, veio a segunda.

Quando a filha mais velha tinha 10 anos, as brigas

eram diárias e Mateus resolveu ir embora.

Rosely sentiu-se injustiçada. Aos 28, ela parecia

uma mulher às vésperas de completar 50. Maltratada,

gorda, sem emprego e com os dois filhos

sempre a tiracolo, ela se comparava a lixo, sozinha

e abandonada. Demorou muito para superar. Foram

anos de terapia. Mas começou a trabalhar por

conta, vender roupas, depois joias, produtos de

beleza, seguro de vida, enfim, se virou. Conseguiu

um emprego de gerente de restaurante, foi estudar

culinária, aprendeu sobre gestão de empresas.

Também emagreceu e voltou a se cuidar. Agora,

parecia ter a idade que realmente tinha. Estava

prestes a completar 40.

Já Mateus logo se casou de novo. Aliás, quando

se separou, ele já tinha uma “namorada” — um

caso com uma das estagiárias de sua firma. Moça

bem mais nova, cursava faculdade, era inteligente

e muito, muito bonita. Ele montou um bom apartamento

para os dois e recomeçou a vida. Parecia

feliz. Quando o primeiro filho deles nasceu, cha-

•E você, tem uma boa história para contar? Ela pode inspirar a

próxima coluna. Mande seu e-mail: vcolin@diariosp.com.br

mou os seus filhos do casamento com Rosely para

serem padrinhos.Naquela altura, o traumada separação

já havia sido superado por Rosely e os dois

estavam bem amigos. Ele, dia sim dia não, ia à casa

da ex-mulher. Ela e a filha, que já era uma moça,

decidiram montar um negócio próprio, um café

no Centro da cidade.Mateus, que era contador,

decidiu ajudar com a papelada.

Foi numa noite dessas de trabalho, entre formulários,

fichas e cálculos, que os olhares de Mateus

e Rosely cruzaram-se de novo. Os filhos tinhamsaído,

um “não sei quê” aconteceu e os dois

terminaram na cama. Foi a melhor transa dos

dois, nos últimos anos. E ele virou freguês. Voltaram

a se falar todo dia e a se ver sempre. E com a ex,

a mulher oficial nem desconfiava de traição.

— Virei amante do meu ex-marido. E é por isso

que é bom. A parte chata fica com ela. Quando ele

quer transar, é pra minha casa que ele vem. E

quando quer brigar, é com ela que ele fica.

04/04/2010 - Paixão de menino

Miranda ficou surpresa


com a declaração:

— Te amo desde quando

nós éramos crianças!

Com as duas mãos, Pedro a

segurava pelos ombros como

se tivesse medo que escapasse.

Ela se deixava fixar na cadeira,

enquanto aquele quase estranho

contava como seu amor

tinha surgido. Quem visse a

cena diria que Miranda estava

hipnotizada.Mas, na verdade,

ela estava atenta ao que Pedro

dizia, tentando puxar da memória

as cenas que ele descrevia

com tantos detalhes.

Ela era uma menina de

pouco mais de 8 anos quando

eles se conheceram na fazenda

do Paraná onde ele morava.

Pedro era um primo distante.

Enquanto os adultos tomavam

café na casa grande, ele a

levou junto comoutras crianças

para conhecer o pomar.

Miranda se admirou com o tamanho

das jabuticabeiras, todas

carregadas. A molecada

subiu nas árvores e começou

uma “guerra” de jabuticabas.

— Você foi cuidadoso comigo,

eu me lembro. Me ajudou

a descer da árvore.

— Naquela hora eu me

apaixonei por você. Sempre

quis saber como você tinha ficado,

em que mulher tinha se

transformado. Está linda!

O reencontro, quase 15

anos depois da brincadeira no

pomar, acontecia em uma festa

de casamento no interior de

São Paulo. Miranda ficou lisonjeada

com os elogios do

primo distante. Criada na cidade

grande, gostava de parecermais

avançada emoderna

que suas primas da cidadezinha.

Naquela noite, depois da

declaração do primo, que também

tinha virado um homem

cobiçado, caiu em seus braços.

Ficaram juntos a festa inteira

mas, no final, não prometeram

nada um para o outro. Para

ela, tudo tinha acabado ali.

Um mês depois, em um fim

de sábado, Miranda estava em

casa se arrumando para sair

com seumais novo namorado

quando o pai dela bateu na

porta do quarto:

— Esqueci de te falar, Mi.

Aquele rapaz, filho do meu

primo, está vindo pra cá. É Pedro

o nome dele, não é? Ele gamou

em você, hein?

O pai falou aquilo com um

tomde gozação que Miranda

conhecia bem. Ele e a mãe iam,

naquela noite, à festa de 2 anos

do filho de um amigo. Não tinham

planejado fazer sala para

o parente distante.

Minutos depois, a campainha

tocou. Era Pedro, de mala

na mão.Miranda não sabia o

que fazer. O namorado novo

estava para chegar. Ela se trancou

no banheiro para pensar,

enquanto Pedro conversava

com o seu pai, na sala. E aí a

campainha tocou de novo.

Agora era o namorado.Amoça

não teve dúvidas. Saiu do

banheiro e encarou Pedro:

— Olha, eu já tinha um

compromisso.Meu namorado

acabou de chegar. Se você

vai dormir aqui, a gente se fala

amanhã. Tchau!

O moço não respondeu. Ela

esticou a mão para ele e se foi.

Quando voltou para casa, já de

madrugada, deu graças a Deus

que todos dormiam. No dia seguinte,

percebeu que Pedro

não tinha ficado lá. E perguntou

ao pai:

— E o Pedro?

— Ele foi na festinha com a

gente e depois foi embora.

Nuncamais o rapaz apareceu.

Nunca mais deu notícias.

Anos depois, Miranda soube

que ele havia casado e vivia,

ainda, na mesma fazenda no

Paraná. Tinha cinco filhos.

28/03/2010 - Um amor técnico

— Não quero mais este relacionamento


técnico. Eu quero

um amor.

Foi assim que Juliana nos

surpreendeu. Ela, que sempre

foi a mais prática das minhas

amigas, finalmente se cansava

do sexo sem compromisso,

que em um certo dia descobriu

e começou a pregar que era a

salvação dasmulheres solitárias.

Antes, porém, Juliana não

acreditava que existisse o tal do

amor técnico.

— É assim: ele está tão acostumado

comigo e com o meu

corpo que me leva sempre ao

êxtase. Mas não tem emoção.

No final, cada um vira para o

seu lado e dorme — lhe contou

certa vez Alcione, uma colega

de trabalho.

— Não é possível, Alcione.

Nenhuma mulher chega ao

êxtase sem paixão! — Juliana

retrucou.

— Ah, chega sim. Eu chego

toda semana!

Juliana não acreditou. Na

época, porém, vivia um casamento

feliz de cinco anos. A

relação era estável e ela ainda

sentia a paixão e atração que a

fizeram querer casar. Mas o

que Juliana não sabia é que o

seu marido já estava em outra.

Quando se deu conta, seu relacionamento

já chegava ao fim.

Juliana quase morreu. Mas,

depois de enfrentar alguns

meses de “luto”, decidiu cair na

vida e experimentar a receita

de sua amiga Alcione.

— Reencontrei um antigo

amigo da faculdade. A gente se

dá superbem na cama —me

contou, entusiasmada. — Esó

agora eu entendi o que a Alcione

me dizia. É bem técnico.

Acho que aprendi a namorar

como homem, que não se envolve

e consegue resolver o seu

problema de desejo.

O prazer de Juliana tinha,

agora, dia e hora para acontecer:

duas vezes por semana

(terças e quintas), sempre após

o trabalho e na casa dele. Nunca

podia ser numa quarta-feira.

Era o dia da semana que seu

amigo jogava bola em uma

quadra. Aos sábados e domingos

eles também não se viam.

Ele sempre viajava.

Com ele, o ritual do sexo

também era metódico. As preliminares

eram praticamente

decoradas, nem a ordem delas

mudava. Umbanho tinha que

ser tomado nominuto antes e

também logo depois, sem

abraço ou beijo no final.

Juliana estranhou no começo,

chegou a desconfiar que

ele era casado, mas acabou se

convencendo que não. Era o

jeitão do rapaz. Sua empolgação,

porém, não passou do segundo

mês. Um dia descobriu

que estava triste demais. Satisfeita

no corpo, mas com o espírito

arrasado. Então, percebeu

que o sexo prático não era para

ela. Não podia continuar.

—Até conversamos na boa

sobre isso. E ele me prometeu

melhorar, fazer um um jantar

romântico no sábado, e até me

animei. Achei que ele sentisse

algo por mim e que queria que

eu me apaixonasse também.

Mas, sabe o que aconteceu

quando cheguei na casa dele?

A pia estava cheia de louça, ele

estava dormindo e não tinha

feito nem uma salada pra gente.

Abriu a porta depois que eu

quase estourei a campainha e

ainda ficou irritado quando eu

lhe perguntei do nosso jantar.

— Ah, não fiz. Mas vamos

pedir comida chinesa por telefone,

ok? Aliás, você gosta de

documentários? Porque meu

amigo me emprestou aquele

sobre o Pelé e eu estou louco

pra ver. E amanhã não vou poder,

porque tenho um almoço

na casa na minha mãe.

21/03/2010 - UMA MISSÃO CUMPRIDA

Foi uma sensação de missão


cumprida, de satisfação

por ter seguido uma intuição

meio incompreensível no começo,

dolorida até porque significava

ruptura, mas certeira.

Era uma pena aquela separação,

todos me diziam:

—Porque ele é tão bom e

vocês se dão tão bem!

Mas, agora, um ano depois,

não conseguia deixar de esconder

meu sorriso, minha felicidade.

Queria, sozinha que

estava, correr pela rua como

uma criança, ou comoalguém

que sabe que terminou bem

um ciclo, uma história, uma

parte da vida, e quer comemorar.

Simplesmente porque pode

seguir em frente sem ter que

olhar o que ficou para trás, sem

pendências a resolver, sem

rancores a cicatrizar.

Saí de lá já pensando em escrever

sobre essa sensação boa,

dividir essa satisfação com o

mundo, registrar para não esquecer.

É que, afinal, não é todo

dia que a gente recebe a notícia

de que o ex-marido está

namorando. E fica muito feliz.

“Meu Deus, que notícia

boa! Como é bom ver de novo

sua cara feliz”, digo, para mim

mesma, enquanto ele me dá alguns

detalhes do seu novo romance,

animado, meio sem

jeito, naquele tom de quem

confidencia algo muito importante,

que pode mexer com

a vida da gente.

— Eu já sabia — disparo,

porque quando ele conta que

está namorando já adivinho

com quem e até desconfio desde

quando. E ele me olha meio

incrédulo, é lógico.

— Como?

— É que era tão óbvio. Ela

gosta de você há tanto tempo,

estava tão na cara. Eu já havia

lhe dito isso.

Engraçado esta sensação.

Estou conseguindo contrariar

minhas amiga, que sempre diziam

que eu ir sentir ciúmes

quando meu ex começasse a

namorar. Eu sempre duvidei

disso, até porque a decisão sobre

a separação, para mim, foi

tomada com tanta lucidez e

certeza, que eu não via onde

caberia o ciúmes no final.

Uma das preocupações dele

era com a Bia, nossa filha de 9

anos. Como a pequena ia reagir?

Ia aceitar a namorada do

papai? Mas nem isso me preocupava.

É que, comela, eu já

vinha falando a respeito há um

tempo. Em casa, já tínhamos,

numa íntima conversa feminina

entremãe e filha, especulado

sobre o namoro do pai dela,

que a gente suspeitava estar rolando.

Também puxei o assunto

antes, para preparar o seu

espírito, ver sua reação para algo

que estava ali, maduro para

acontecer, e que era inevitával.

—Desencana, eu já falei

pra ela, e faz tempo. Você só está

me dizendo algo que nós já

sabíamos. Eu e você fizemos

tudo direitinho, fica tranquilo.

Ela vai achar natural.

Eu explico o que é fazer tudo

direitinho. Desde que decidimos

pela separação, começamos

a conversar comnossa

filha. E falamos muito. Explicamos

principalmente que o

romance, a paixão e a “vontade

de namorar” acabam, mas o

amor, não. E que a gente sempre

ia se gostar. Éramos como

irmãos, como amigos. Foi o

jeito simples de explicar para

uma criança o que significava

o fim do tesão.

Cheguei em casa e fui logo

contar a novidade para ela. E a

reação foi uma gargalhada.

— O importante é ele estar

feliz, né, mãe?

— É isso aí, Bia. E agora ele

está bem melhor, não é?

— É, eu também acho!