quinta-feira, 10 de março de 2011

04/10/2009 um brilho no olhar

04/10/2009 um brilho no olhar Ela nunca teve habilitação, mas sabe dirigir até caminhão. Aprendeu sem professor, só olhando o marido, que é motorista, daqueles que cruzam o país inteiro entregando todo tipo de carga. Mas Elvira não aprendeu porque queria. Antenor chegava louco em casa e mal conseguia parar a carreta. — Ele tomava tanto “rebite” que eu nem sei como não se matou na estrada — conta. O “rebite” é como os caminhoneiros chamam os remédios que tomam para não sentir sono. Antenor e Elvira se casaram quando ela tinha 15 e ele, 30. O rapaz se apaixonou pela moça do interior da Paraíba, e lhe cercou até conseguir convencê-la a se casar. O pai não queria, porque o moço era de fora e iria levar a filha dele para longe. — Mas ele me jogou um encantamento e eu aceitei — lembra a jovem senhora, hoje com 49. Na noite de núpcias, a moça apaixonada descobriu que Antenor era nada romântico. A virgindade foi perdida num estupro. Para ela, o marido se transformara em um bicho. No dia seguinte, levantou-se com o corpo todo dolorido e muita vergonha. Não contou a ninguém sobre o que tinha acontecido. Subiu na cabine do caminhão do marido e foi embora. O casal iria morar na Bahia. Os anos que se seguiram somaram mais decepções. O sexo com Antenor nunca foi consentido. E, sem amor, ela engravidou três vezes. Elvira só se sentia feliz quando o marido estava longe. — Quando voltava de uma viagem, antes de ir para casa, ele parava no bar. E saía de lá carregado. E foi por isso que eu aprendi a dirigir e estacionar caminhão. A solidão e a violência, porém, não endureceram Elvira. Quando seu filho mais velho entrou na escola, ela se encantou com o professor. Martinho era educado e muito mais moço que Antenor. Os dois se envolveram. E ela não sentiu culpa quando traiu o marido, que estava na estrada. — Foi só então que aprendi o que era o sexo com amor — revela, ainda aos suspiros. O professor era carinhoso, mas não era corajoso. Elvira engravidou e ele desapareceu. Quem escuta hoje Antenor falar do nascimento dos filhos, vai ouvir ele contar que seu último com Elvira é “prematuro”. Por ironia, o menino de olhos claros, cara de anjo, é o que ele mais mima. Depois do nascimento do caçula, Elvira aprendeu a recusar e afastar o marido. Ele nunca mais conseguiu tocá-la. Vivem como estranhos na mesma casa. E ela, de uma certa forma, se sente vingada do marido violento quando vê na criança o mesmo brilho do olhar de Martinho.

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