quinta-feira, 10 de março de 2011

19/04/2009 - Soluços e sussurros

SOLUÇOS E


SUSSURROS

Os sussurros abafados no

meio da madrugada lhe chamaram

a atenção. Vinham

do lado de fora do quarto, da

varanda, bem ao lado de sua

janela. Elza mal sabia a que

horas havia adormecido e, ao

acordar com aquele barulho

surdo, se sentia mais perdida

ainda no tempo e no espaço.

Como se tudo fosse uma espécie

de sonho.

Pegou no sono tarde da

noite, ouvindo ao longe uma

certa algazarra. Eram vozes,

gritos e gargalhadas conhecidas

e desconhecidas, provavelmente

fruto do efeito de

muita bebida. Sabia que a sua

filha e o seu genro estavam

entre a rapaziada que conversava

no boteco ali da rua, e

sentia um mal estar enorme

por causa disso.

Então, ao acordar graças à

conversa sussurrada ao lado de

sua janela, entrecortada com

soluços de um choro sufocado,

seu coração foi ficando cada

vez mais apertado. Começou a

se perguntar se aquilo era realidade,

um sonho ou um pesadelo.

Demorou para perceber

que não era um devaneio.

Ela ouvia apenas a voz de

sua filha, mas sabia que havia

um outro interlocutor que ela

não conseguia identificar. E a

moça falava de dor, de saudade,

de não poder. Mas Elza não

entendia o porquê de tanto sofrimento.

Apenas percebia que

havia desespero na voz.

Quando escutou a fechadura

da porta, soube que Dora

enfim voltava para casa. Olhou

na direção do relógio: eram

três da madrugada. Foi ao banheiro,

cruzou coma filha no

corredor e perguntou:

— Onde está o Marcelo?

— Dormindo. Faz tempo.

Elza estranhou a resposta

e o cinismo na voz de Dora.

Mas estranhou ainda mais o

genro já dormindo e a filha

chegando trôpega, sozinha,

com os olhos inchados de

tanto chorar, e se perguntou:

“Será que eles brigaram?”.

No dia seguinte, tudo na

casa era normal, nenhum sinal

de mal entendido entre o

casal, que estava junto havia

tantos anos e que parecia viver

em harmonia. Elza achou

melhor deixar suas impressões

pra lá, na conta da vida

moderna que eles levavam.

Nunca, porém, se esqueceu

da conversa sussurrada, cortada

por soluços. Só após

muitos anos finalmente entendeu

aquela noite.

—Mãe, eu vou me separar

— Dora anunciou, durante

um almoço de Páscoa.

Imediatamente, Elza se

lembrou daquela madrugada.

E pareceu que um quebra-

cabeça se montou logo

ali, na sua frente: um casal

aparentemente feliz sai junto

com uma turma de amigos,

dá risada, se embebeda. Ele,

sem motivo aparente, volta

antes, vai dormir e deixa a

moça sozinha com a turma.

Não há briga, só desinteresse.

A moça pega o celular e liga

para alguém, desabafa, chora.

Mas, após o desabafo,

também deixa pra lá, prefere

manter as aparências. Até

que um dia não é mais possível

continuar. O casamento

está insustentável.

—Foi isso o que aconteceu

aquela noite, não foi? — Elza

pergunta para Dora.

— Foi, mãe.

— Eu devia ter dado mais

atenção àminha intuição! —

diz. — Mas o que aconteceu de

verdade? Por que só agora você

resolveu se separar?

— Porque só agora, mãe,

tenho a certeza de que o amor

acabou. E, o que é ainda pior, o

tesão: esse também acabou

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