SOLUÇOS E
SUSSURROS
Os sussurros abafados no
meio da madrugada lhe chamaram
a atenção. Vinham
do lado de fora do quarto, da
varanda, bem ao lado de sua
janela. Elza mal sabia a que
horas havia adormecido e, ao
acordar com aquele barulho
surdo, se sentia mais perdida
ainda no tempo e no espaço.
Como se tudo fosse uma espécie
de sonho.
Pegou no sono tarde da
noite, ouvindo ao longe uma
certa algazarra. Eram vozes,
gritos e gargalhadas conhecidas
e desconhecidas, provavelmente
fruto do efeito de
muita bebida. Sabia que a sua
filha e o seu genro estavam
entre a rapaziada que conversava
no boteco ali da rua, e
sentia um mal estar enorme
por causa disso.
Então, ao acordar graças à
conversa sussurrada ao lado de
sua janela, entrecortada com
soluços de um choro sufocado,
seu coração foi ficando cada
vez mais apertado. Começou a
se perguntar se aquilo era realidade,
um sonho ou um pesadelo.
Demorou para perceber
que não era um devaneio.
Ela ouvia apenas a voz de
sua filha, mas sabia que havia
um outro interlocutor que ela
não conseguia identificar. E a
moça falava de dor, de saudade,
de não poder. Mas Elza não
entendia o porquê de tanto sofrimento.
Apenas percebia que
havia desespero na voz.
Quando escutou a fechadura
da porta, soube que Dora
enfim voltava para casa. Olhou
na direção do relógio: eram
três da madrugada. Foi ao banheiro,
cruzou coma filha no
corredor e perguntou:
— Onde está o Marcelo?
— Dormindo. Faz tempo.
Elza estranhou a resposta
e o cinismo na voz de Dora.
Mas estranhou ainda mais o
genro já dormindo e a filha
chegando trôpega, sozinha,
com os olhos inchados de
tanto chorar, e se perguntou:
“Será que eles brigaram?”.
No dia seguinte, tudo na
casa era normal, nenhum sinal
de mal entendido entre o
casal, que estava junto havia
tantos anos e que parecia viver
em harmonia. Elza achou
melhor deixar suas impressões
pra lá, na conta da vida
moderna que eles levavam.
Nunca, porém, se esqueceu
da conversa sussurrada, cortada
por soluços. Só após
muitos anos finalmente entendeu
aquela noite.
—Mãe, eu vou me separar
— Dora anunciou, durante
um almoço de Páscoa.
Imediatamente, Elza se
lembrou daquela madrugada.
E pareceu que um quebra-
cabeça se montou logo
ali, na sua frente: um casal
aparentemente feliz sai junto
com uma turma de amigos,
dá risada, se embebeda. Ele,
sem motivo aparente, volta
antes, vai dormir e deixa a
moça sozinha com a turma.
Não há briga, só desinteresse.
A moça pega o celular e liga
para alguém, desabafa, chora.
Mas, após o desabafo,
também deixa pra lá, prefere
manter as aparências. Até
que um dia não é mais possível
continuar. O casamento
está insustentável.
—Foi isso o que aconteceu
aquela noite, não foi? — Elza
pergunta para Dora.
— Foi, mãe.
— Eu devia ter dado mais
atenção àminha intuição! —
diz. — Mas o que aconteceu de
verdade? Por que só agora você
resolveu se separar?
— Porque só agora, mãe,
tenho a certeza de que o amor
acabou. E, o que é ainda pior, o
tesão: esse também acabou
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