quinta-feira, 10 de março de 2011

03/05/2009 -Instinto materno

INSTINTO MATERNO


Os braços envelhecidos não se cansam de ninar

a criança. A pele escura contrasta coma tez branquinha

do bebê de cabelos loiros e olhos azuis. Enquanto

Zelinda embala amenina, uma outra, um

pouco maior, repousa no sofá velho, ao seu lado. E

há ainda um outro deitado na cama. Todos embrulhados

em mantas improvisadas, feitas de retalhos

de tecido fino e desfiado em várias partes.

Zelinda, porém, não se importa com a pobreza

da sua “família”. Com seus 85 anos, a idosa nem

percebe que todas as suas “crianças” são bonecas

quebradas, através das quais elas revive a infância

de sua própria prole, tão crescida e agora tão distante.

Zelinda vive em um asilo.

—Zelinda, deixa eu pegar a sua neném um

pouco. Eu tomo conta dela direitinho para você —

sugere Caio, o enfermeiro-chefe da instituição.

— Você está louco! Eu nem te conheço. Nunca

vou deixar meus filhos com um estranho qualquer.

E se você some com ela? — rebate, com desdém.

Vira-se para a boneca com mais ternura ainda,

a aperta contra o colo e a cobre de beijos.

A velha senhora,mesmo senil e praticamente

abandonada no asilo, prova que o instinto materno

ainda está vivo dentro do seu coração. Faz parte

da sua alma. Além de ninar, ela finge alimentar,

troca as fraldas e até ralha com a sua “molecada”.

— Essa menina é fogo! Vive querendo brincar

descalça no quintal! Ela já se machucou mais de

uma vez, mas não tem jeito — ela me conta sobre a

“filha” mais velha. — Saia daí, Julinha! — diz, se

dirigindo ao brinquedo que está no chão.

Na vida real,Zelinda teve seis filhos — dois rapazes

e quatro moças. Pergunto por eles: qual foi a

última vez que foram visitá-la?

— Ela está aqui há seis meses e nunca vieram

vê-la — responde Caio, com ar fatalista.

Chega então uma outra enfermeira. Fátima é

aquela que passa as noites com as vovozinhas, as

ajuda a tomar banho, cuida de suas roupas. Com

mais intimidade, ela vai logo provocando.

—Cadê aquele seu filho bonitão, Zelinda, o

Gerson? Me apresenta que eu estou precisando casar

— pede Fátima com ironia, me dando uma

piscadela. Devo prestar atenção à reação que virá.

Amatrona se transforma. Aquele olhar doce e

cuidadoso que dirigia aos seus “bebês” se volta

brilhante e ameaçador para a enfermeira.Zelinda

entende que aquilo é uma brincadeira, mas responde

como toda mãe que faz de tudo para proteger

os seus filhos, estejam eles onde estiverem:

—Mas vê se você é mulher que sirva para o

meu Gerson? De jeito nenhum! Apresento nada!

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