INSTINTO MATERNO
Os braços envelhecidos não se cansam de ninar
a criança. A pele escura contrasta coma tez branquinha
do bebê de cabelos loiros e olhos azuis. Enquanto
Zelinda embala amenina, uma outra, um
pouco maior, repousa no sofá velho, ao seu lado. E
há ainda um outro deitado na cama. Todos embrulhados
em mantas improvisadas, feitas de retalhos
de tecido fino e desfiado em várias partes.
Zelinda, porém, não se importa com a pobreza
da sua “família”. Com seus 85 anos, a idosa nem
percebe que todas as suas “crianças” são bonecas
quebradas, através das quais elas revive a infância
de sua própria prole, tão crescida e agora tão distante.
Zelinda vive em um asilo.
—Zelinda, deixa eu pegar a sua neném um
pouco. Eu tomo conta dela direitinho para você —
sugere Caio, o enfermeiro-chefe da instituição.
— Você está louco! Eu nem te conheço. Nunca
vou deixar meus filhos com um estranho qualquer.
E se você some com ela? — rebate, com desdém.
Vira-se para a boneca com mais ternura ainda,
a aperta contra o colo e a cobre de beijos.
A velha senhora,mesmo senil e praticamente
abandonada no asilo, prova que o instinto materno
ainda está vivo dentro do seu coração. Faz parte
da sua alma. Além de ninar, ela finge alimentar,
troca as fraldas e até ralha com a sua “molecada”.
— Essa menina é fogo! Vive querendo brincar
descalça no quintal! Ela já se machucou mais de
uma vez, mas não tem jeito — ela me conta sobre a
“filha” mais velha. — Saia daí, Julinha! — diz, se
dirigindo ao brinquedo que está no chão.
Na vida real,Zelinda teve seis filhos — dois rapazes
e quatro moças. Pergunto por eles: qual foi a
última vez que foram visitá-la?
— Ela está aqui há seis meses e nunca vieram
vê-la — responde Caio, com ar fatalista.
Chega então uma outra enfermeira. Fátima é
aquela que passa as noites com as vovozinhas, as
ajuda a tomar banho, cuida de suas roupas. Com
mais intimidade, ela vai logo provocando.
—Cadê aquele seu filho bonitão, Zelinda, o
Gerson? Me apresenta que eu estou precisando casar
— pede Fátima com ironia, me dando uma
piscadela. Devo prestar atenção à reação que virá.
Amatrona se transforma. Aquele olhar doce e
cuidadoso que dirigia aos seus “bebês” se volta
brilhante e ameaçador para a enfermeira.Zelinda
entende que aquilo é uma brincadeira, mas responde
como toda mãe que faz de tudo para proteger
os seus filhos, estejam eles onde estiverem:
—Mas vê se você é mulher que sirva para o
meu Gerson? De jeito nenhum! Apresento nada!
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário