UMA MULHER
BANDIDA
Quem a vê assim hoje tão
responsável, dona de casa, mãe
de família, não imagina o seu
passado. Iracema vivia com
um 38 na cintura e más ideias
na cabeça. Não consegue esquecer
as ações audaciosas em
que participou quando vivia
em São Paulo. A primeira
mansão que invadiu, o susto
que dava nas empregadas das
casas, as joias e o dinheiro que
levou. Hoje, tudo aquilo está
perdido.Mas ela, só Deus sabe
como, sobreviveu.
Iracema chegou a São Paulo
com pouco mais de 15 anos.
Estava sozinha. Foi viver debaixo
de uma ponte e logo conheceu
uns meninos de rua.
Os garotos faziam pequenos
furtos e vendiam maconha.
Foi assim que Iracema fez seu
primeiro contato com Cirilo.
Era ele o rapaz que entregava a
maconha aos garotos. Se apaixonaram.
E Iracema caiu na
vida bandida.
Com 16, engravidou. A
barriga foi a desculpa para entrar
pela primeira vez no quintal
de uma mansão do Morumbi.
Pediu água para uma
empregada, que muito solícita
a deixou entrar e descansar nos
aposentos de serviço. A mulher
ingênua ficou com pena
da menina. Iracema aproveitou
para observar bem o local,
calcular a altura do muro, as
entradas do casarão. Uma semana
depois, voltou com um
bando de ladrões. A velha empregada
a reconheceu de
pronto e levou um susto quando
a viu com o trabuco na mão.
A trancaram no banheiro e levaramo
que puderam carregar.
A criança nasceu e Iracema
lhe deu o nome de Vitória.
— Uma homenagem ao
meu primeiro grande roubo
— disse a Cirilo, feliz.
Depois, foram vários outros
assaltos. Mas um dia vacilou.
Pegou sua parte do roubo
e foi para a rodoviária, viajar
para a terra dos pais. Queria levar
a menina, com oito meses,
para conhecer os avós. Já estava
entrando no ônibus quando
foi reconhecida e presa. A
criança foi para um abrigo.
Ela, para a cadeia. Apanhou
que nem uma desgraçada.
— Primeiro da polícia, depois
das outras presas. Só parei
de apanhar quando parei de
gritar de dor — lembra.
Ficou presa por quatro
anos. Enquanto isso, sua filha
crescia no abrigo.
— Isso eu consegui: graças
ao meu bom comportamento
na cadeia, Vitória não entrou
na fila da adoção.
Quando saiu, decidiu ser
puta. Depois, conseguiu fazer
faxina em um bar, que lhe
abriu as portas de uma casa,
depois de outra e outra. Por
anos, viveu assim, como faxineira.
Soube que Cirilo tinha
sido preso e virado pastor na
cadeia. Solto, foi para o Rio de
Janeiro e abriu uma igreja. Ela
nem pensou em ir atrás dele.
Conheceu outro homem
que não quis saber do seu passado.
Gostou dela e adotou a
sua filha. Se casaram, tiveram
um menino e semudaram para
o interior. Ele abriu um bar
na praça principal da cidade.
Faz comida para caminhoneiros.
Vitória já tem 20 anos. O
filho do casal, Agnaldo, tem
10. Iracema nunca mais trabalhou
fora. Só ajuda o marido
no bar.Mas sempre seu olhar
brilha quando no telejornal
escuta uma notícia de mulher
bandida, com arma na mão,
fazendo assalto. Ela sabe que
agiu errado, poderia ter morrido,
se arrepende até, mas no
fundo, no fundo, sente um
baita orgulho de ter conseguido
sobreviver a tudo aquilo.
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