domingo, 13 de setembro de 2009

Sem perder a pose

Publicado em 9 de março de 2008

Valquíria adora aventuras no trânsito. Se sente livre com o volante na mão, o som tocando alto e a janela aberta para o vento soprar em seu rosto. Quando tinha 19, assim que pegou a carteira de motorista, sentiu pela primeira vez como dirigir poderia ser divertido. Moradora do ABC, ela passou na faculdade em São Paulo: a PUC, em Perdizes. Devia fazer a matrícula, mas nunca tinha dirigido até lá. Então, pediu uma força para o namorado.
— Eu não posso — André foi logo dizendo — Tenho uma reunião às 2h e não dá tempo de voltar.
— Ah, André, vamos lá, dá tempo, sim. Lá, fazer matricula é super-rápido — mentiu.
O rapaz se rendeu. Eles teriam menos de três horas para chegar à PUC, fazer a matrícula e voltar. Só de ida e volta isso dá uns 50 quilômetros. Com trânsito, são pelo menos duas horas de viagem.
Mas André era otimista. Só que, nem 15 minutos de asfalto e ele já tinha se arrependido.
A moça acelerava nas curvas, costurava nas retas e ultrapassava jamantas pela direita.
— Vai pelo outro lado! — ele gritava.
— Mas deste lado não tem ninguém.
André se contorcia no banco do passageiro. Valquíria ria por dentro. E, de propósito, cometia mais barbeiragens.
Quando chegaram à PUC, o rapaz respirou aliviado. Mas o alívio não durou dez minutos. A fila da matrícula tinha umas cem pessoas. André ficou roxo de raiva. Ele ia perder a reunião.
Valquíria não desceu do salto. Foi até a moça que estava na ponta da fila, falou algo em seu ouvido e a garota a deixou passar.
André ficou de queixo caído. Em menos de 30 minutos, estavam prontos para voltar ao ABC. E Valquíria entregou André às 2h em ponto na porta de seu escritório.
Anos depois, Valquíria estava indo para o trabalho. No meio do caminho, liga a sua chefe.
— Oi, você está chegando?
— Estou perto — mentiu (era um velho hábito).
— Temos o almoço com os Gonzales. Vai direto para o restaurante. Meio-dia em ponto lá.
Faltavam 15 minutos. O almoço era nos Jardins, uns 40 de onde estava.
Os Gonzales eram clientes importantes. Levou um ano para conseguirem um encontro com eles. Se atrasasse, seria morta. Mas ela não perdia a pose. Largou o carro no primeiro estacionamento e foi à cata de um motoboy. No posto em frente, tinha um abastecendo.
— Amigo, tenho 15 minutos pra chegar ao Jardins. Estou desesperada. Eu te pago pra me levar.
Ele topou. E lá foi Valquíria, agarrada no desconhecido, sentindo calafrios cada vez que a moto tirou uma fina dos carros. Ainda bem que o motoboy tinha um capacete extra.
Chegaram em 10 minutos. E ela adorou tanto a aventura que, no mesmo dia, se matriculou em uma moto-escola.