domingo, 25 de maio de 2008

A EX-MULHER



Publicada na coluna ELAS SABEM DEMAIS em 21 de outubro de 2007




Ela tinha cabelos claros, no tom dourado. E olhos também claros, no mesmo tom dos cabelos. Mas lembro que eram grandes, sempre esbugalhados e brilhantes quando falava, e isso foi o que mais me impressionou nela. A vi apenas três vezes e sempre foi em seu olhar que eu me fixei. Na primeira vez, o olhar era de submissão. Na segunda, de desespero. E, na terceira, vinha carregado de uma frieza, quase uma ameaça.
Foi no intervalo entre o nosso primeiro e segundo encontros que ela de boa vontade se apresentou a mim: “Oi, eu sou a ex-mulher do João”. Ela falou aquilo como se fosse uma sina, uma profissão: “Eu sou a ex-mulher!” E ao mesmo tempo com tanta naturalidade que eu me assustei. Porque ao atribuir a si mesma a posição de “ex-mulher” ela se destituía do que dela era mais importante, o ser mulher. Era como se ela só existisse a
partir dele, através dele.
Não que a culpa fosse dela. Em se tratando de casais, não há culpas individuais. Eu, sem ao menos conhecê-los direito, conhecia bem a sua história. Não que eu fizesse questão de saber. É que tenho um curioso dom: fico sempre sabendo do que não procuro saber. Não preciso especular, não preciso perguntar — cedo ou tarde as pessoas vêm a mim e me contam, como se eu fosse alguém para quem vale sempre contar sobre a própria vida e a vida alheia.
Então, sabia que um dia se amaram, não por uma paixão avassaladora. Soube que ela tinha por ele grande admiração e ele, por ela, carinho e respeito. Mas que um dia ele, que era mais consciente de suas vontades, decidiu partir. E ela não se conformou. E, mesmo não morando mais na mesma casa, continuou a cuidar dele. Levava suas contas
ao banco, orientava a empregada, checava a sua geladeira. E ele, por compaixão, permitia. E ela não perdia as esperanças de um dia voltar a dividir com ele a cama. E ele tinha a certeza que isso nunca mais aconteceria.
E pensando nela, e no significado das palavras, tentei me colocar no seu lugar. Eu definitivamente nunca me apresentaria como “a exmulher”. Acho que diria algo assim: “Oi, prazer, eu sou Maria. Ele, João, é meu ex-marido”. Falariadojeito certopara quepercebessem queeu não sou anexa a ele. E quem me ouvisse entenderia que aquele tinha sido sim o meu homem, que eu o amei e que, no fundo, de alguma forma, ainda o amava. Que tinha sido sua mulher, mas que por conta do passar da vida a vontade de ficar junto esfumaçou-se. Que ele percebeu primeiro e eu, não tendo como negar, mesmo com dor, cedi. E que, agora também livre, estou pronta para procurar outros amores.