quinta-feira, 10 de março de 2011

29/03/2009 - O destino de Jéssica

O DESTINO


DE JÉSSICA

Jéssica bateu a primeira vez

na minha casa há uns três anos.

Veio para pedir. É a “profissão”

da família dela.

Contam no bairro que a avó

dela, Cícera, era o tipo de pedinte

às antigas, que todas as

donas-de-casa ajudavam porque

a conheciam de longa data.

Até que Cícera sumiu e seu

filho, dias depois, apareceu

com cara triste, contando que

a mãe havia morrido e que ele

não tinha dinheiro para o enterro.

O bairro todo se sensibilizou

e deu dinheiro para um

enterro mais digno.

Algumas semanas depois,

Cícera voltou a pedir pelas casas,

muito viva! Não sabia que

estava “morta”. Seu filho enganara

a todos. Esse homem é o

pai de Jéssica.

Me sensibilizei de cara com a

menina de 14 anos. Ela passou a

confiar em mim e sempre vinha

comumirmão ou irmã mais

novos. No começo, achei que

poderia mudar a vida da garota

com conselhos, cadernos, livros,

palavras e incentivos.

Mas sempre lhe dava também

comida. A Jéssica e os seus

estão sempre comfome. Devoramcom

gosto as xícaras de

café com leite, o pão com manteiga,

bolos, bolachas.

Para ajudar, passei a comprar

dela bombons caseiros,

feitos por uma vizinha. Também

dei-lhe um pito, para ela

não pedir por aí. Percebi que a

mãe a obrigava. Chamei a mãe

e disse que ajudaria Jéssica,

mas só se ela parasse de pedir

nas ruas e não faltasse à escola.

A mãe jurou que ela nunca havia

obrigado a menina a pedir.

E também me garantiu que ela

passaria a ser uma boa aluna.

Jéssica estava na 6ª série.

Mas a vida de Jéssica não é

fácil. Fazer bombons, por

exemplo, não deu certo. Como

irmã mais velha de sete e com a

geladeira vazia, o chocolate

desaparecia sem ela perceber.

Nem o cadeado que ela colocou

resolveu o problema.

Um sábado, a flagrei sentada

na rua com uns quatro irmãos,

comendo em potes

plásticos os restos de uma casa.

Parei o carro, a chamei, ela ficou

branca. Sabia que eu havia

descoberto que ela ainda pedia,

que faltava na escola, que

não havia conseguido.

Mas, como censurá-la?

Mora num barraco, os pais

nunca têm emprego, vivemde

bicos e cestas básicas dadas pela

assistência social. O pai,

além de tudo, é alcoólatra.

Também não consegue avançar

nos estudos. A escola diz

que “a família é desestruturada”,

que não adianta chamar os

pais, eles não comparecem.

A principal desculpa de Jéssica

para pedir nas casas é a falta

de dinheiro para comprar o

gás de cozinha. Deve mentir.

Percebo que temvergonha de

pedir tudo o que precisa. Mas,

quando falta mesmo o gás, a

mãe acende uma fogueira para

fazer a comida. E o resto da favela

manda ela apagar, por medo

de incêndio.

Outro dia, depois de muitosmeses

sumida, Jéssica apareceu

de noite em casa, no

meio da chuva. Eu não estava,

meu marido a colocou para

dentro, perguntou se queria

comer algo, do que precisava e

mandou me esperar. Ela não

aceitou a comida, mas esperou

a chuva passar e sumiu de vez.

É uma menina angustiada,

triste, que sempre parece ter

um nó na garganta, uma vontade

de chorar e de gritar que

não quer a vida que leva. Parece

que está convencida que tem

um destino de pobreza e não

consegue uma forma de se livrar

dele. E quem é que terá

uma saída para Jéssica?

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