quinta-feira, 10 de março de 2011

07/06/2009 - Uma ridícula espiã

UMA RIDÍCULA ESPIÃ


Parada no balcão, Ana estava concentrada na

ficha em branco que o rapaz da entrada tinha jogado

na suamão. Sábado à noite, a padaria estava

cheia e ela só conseguiu umcanto apertado para

chamar o atendente—estava entre amáquina de

café expresso e a outra mais antiga, para o café de

coador. Ana sempre preferia o de coador.Mas desistiu

de pedir. Ao olhar para a frente, do outro lado

do balcão, o casal sentado, comendo pizza, fez

suas pernas tremerem. Ela não queria ser vista por

Roberto e a sua nova namorada. Ela já havia rezado

a Deus para não vê-lo mais assim, acompanhado.

Não tinha o que dizer para ele, onde colocar as

mãos, encará-lo nos olhos.

Então, fugiu do balcão e foi para a área de pães e

frios. Iria comprar o lanche para as crianças e voltar

correndo para casa. Ainda tremendo, pediu

meia dúzia de pãezinhos, pegou 500 gramas de

presunto e mais 500 de mussarela e foi em direção

ao caixa.Mas, no meio do caminho, ela não resistiu

e voltou ao balcão de lanches, àquele mesmo

canto encondido. Sentia-se segura no seu “esconderijo”,

como que olhando para os dois por uma

fresta. O balconista na sua frente, involuntariamente,

também ajudava a ocultá-la.

De onde estava, enquanto bebia o seu café, Elisa

conseguia ver bem as mãos de Roberto. Os dedos

curtos e roliços, que ela conhecia tão bem pelo toque,

cortavam com o garfo e a faca a fatia da pizza.

Já devia ser o segundo pedaço, ela pensou.

Elisa se esforçava para ver se havia alguma

aliança nos dedos anulares, e se aquelas mãos se

dirigiam com carinho à moça que estava ao lado.

Ficou aliviada quando viu que a aliança não estava

lá. Mas não soube dizer se existia ali algum afeto

verdadeiro, se eles estavam realmente apaixonados.

Sentia-se uma ridícula espiã, mas não conseguia

evitar a curiosidade. Quando percebia que ele

poderia flagrá-la, se esgueirava atrás da máquina

de café, abaixava a cabeça e desviava o olhar.

Como fim do café, decidiumudar de posição.

Foi até a vitrine de doces, de onde ainda tinha uma

visão do ex-namorado, mas não tão privilegiada.

Então, quando percebeu que eles se levantavam

para pagar o conta, correu também em direção ao

caixa, para simular um encontro casual. “Sem

querer”, eles se viram frente a frente.

—Oi, que coincidência você por aqui—ela

disse, fingindo surpresa.

Ele a encarou com um ar sarcástico. Ela gelou

por dentro. Conhecia bem aquela expressão.

— Você anda tomandomuito café—ele disse.

— E você está gordo de tanto de comer pizza!

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