UMA RIDÍCULA ESPIÃ
Parada no balcão, Ana estava concentrada na
ficha em branco que o rapaz da entrada tinha jogado
na suamão. Sábado à noite, a padaria estava
cheia e ela só conseguiu umcanto apertado para
chamar o atendente—estava entre amáquina de
café expresso e a outra mais antiga, para o café de
coador. Ana sempre preferia o de coador.Mas desistiu
de pedir. Ao olhar para a frente, do outro lado
do balcão, o casal sentado, comendo pizza, fez
suas pernas tremerem. Ela não queria ser vista por
Roberto e a sua nova namorada. Ela já havia rezado
a Deus para não vê-lo mais assim, acompanhado.
Não tinha o que dizer para ele, onde colocar as
mãos, encará-lo nos olhos.
Então, fugiu do balcão e foi para a área de pães e
frios. Iria comprar o lanche para as crianças e voltar
correndo para casa. Ainda tremendo, pediu
meia dúzia de pãezinhos, pegou 500 gramas de
presunto e mais 500 de mussarela e foi em direção
ao caixa.Mas, no meio do caminho, ela não resistiu
e voltou ao balcão de lanches, àquele mesmo
canto encondido. Sentia-se segura no seu “esconderijo”,
como que olhando para os dois por uma
fresta. O balconista na sua frente, involuntariamente,
também ajudava a ocultá-la.
De onde estava, enquanto bebia o seu café, Elisa
conseguia ver bem as mãos de Roberto. Os dedos
curtos e roliços, que ela conhecia tão bem pelo toque,
cortavam com o garfo e a faca a fatia da pizza.
Já devia ser o segundo pedaço, ela pensou.
Elisa se esforçava para ver se havia alguma
aliança nos dedos anulares, e se aquelas mãos se
dirigiam com carinho à moça que estava ao lado.
Ficou aliviada quando viu que a aliança não estava
lá. Mas não soube dizer se existia ali algum afeto
verdadeiro, se eles estavam realmente apaixonados.
Sentia-se uma ridícula espiã, mas não conseguia
evitar a curiosidade. Quando percebia que ele
poderia flagrá-la, se esgueirava atrás da máquina
de café, abaixava a cabeça e desviava o olhar.
Como fim do café, decidiumudar de posição.
Foi até a vitrine de doces, de onde ainda tinha uma
visão do ex-namorado, mas não tão privilegiada.
Então, quando percebeu que eles se levantavam
para pagar o conta, correu também em direção ao
caixa, para simular um encontro casual. “Sem
querer”, eles se viram frente a frente.
—Oi, que coincidência você por aqui—ela
disse, fingindo surpresa.
Ele a encarou com um ar sarcástico. Ela gelou
por dentro. Conhecia bem aquela expressão.
— Você anda tomandomuito café—ele disse.
— E você está gordo de tanto de comer pizza!
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