sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Coração negro

Ela não imaginava que ganharia um presente daquele. Dentro da caixinha de madeira, um anel com uma pedra negra, escondido entre chocolate:

— É o meu coração — disse Álvares. — Para você tomar conta.

Eliza quase parou de respirar. Seu próprio coração batia tão forte que ela teve a impressão de que ele podia ouvir.

Ela não sabia o que responder. Talvez porque estivesse apaixonada, talvez porque o tenha reencontrado num momento muito solitário da vida, ou talvez porque era dezembro, perto do Natal, período mágico do ano em que a maior parte das pessoas está mais sensível.

Mais certo ter sido a conjunção de todas essas coisas que a fez realmente acreditar que tinha um coração para cuidar. Sentiu o peso bom daquela responsabilidade. E a confiança total naquele amor.

Então, colocou o anel no dedo e decidiu que não o tiraria tão cedo. Aquele coração-anel de ônix negro passaria a valer para ela muito mais do que um diamante.

Começou o ano exultante. Pena que não poderiam passar o 1º de janeiro juntos. Ela tinha marcado uma viagem com os pais. Mas, com o anel no dedo, se sentia protegida, poderosa e junto dele, mesmo distante por alguns dias.

No retorno do feriadão, estava explodindo de saudades. Mas um sentimento ruim se apossou dela após telefonar para ele pra dizer um “oi, voltei”.

A voz de Álvares não era a mesma. Estava carregada de uma disfarçada e irritante indiferença.

— Você nem ligou no Ano Novo! — ele disse.

— Não dava pra te ligar de onde eu estava — ela explicou.

— Olha, eu até arrumei uma namoradinha!

Álvares caiu do pedestal. Como era possível alguém, em menos de um mês, trocar de amor com tanta rapidez. Ele percebeu o choque.

— Não, boba, é só provocação — emendou.

Ela aceitou, mas não acreditou. A brincadeira doeu demais. E foi o primeiro passo do afastamento que se seguiu.

Instintivamente, o anel saiu do dedo. Virou pingente, sempre entre seus seios.

Depois, ela descobriu que a namoradinha tinha sido verdadeira. E vieram as brigas. Eliza não reconhecia mais o cara do Natal, mas continuava apaixonada, carregando aquele coração cada vez mais pesado.

Até que numa manhã o anel caiu no chão e rachou. Ficou ali um risco gravado no meio da pedra lisa, que mais parecia um sinal tenebroso. Álvares ainda tentou minimizar o fato.

— Rachou, mas não quebrou. É sinal que é forte... Este amor é forte! — insistiu.

— Só que eu não quero nada assim, trincado. E, do jeito que vamos, no próximo tombo, ele vai ficar é bem espatifado.

Publicada na Diário DEZ! em 21 de setembro de 2008