domingo, 28 de novembro de 2010

Uma mulher moderna

Publicado em 25 de maio de 2008

Teresa era uma mulher moderna. Professora de sociologia, com pouco mais de 30 anos, mãe de um menino de 11, separada do primeiro marido desde os 21, Teresa tinha a convicção de que era uma mulher moderna. E ainda de muita sorte. Afinal, pensava, tinha ao seu lado um companheiro também moderno: o doce Paulinho.
Viviam o que chamavam de amor livre — estavam juntos, mas não abriam mão de outras experiências emocionais ou sexuais, caso aparecessem. Publicitário sem emprego fixo, Paulinho fazia o tipo alternativo. Adorava política, e vivia envolvido em reuniões de partidos de esquerda e em projetos sociais e sindicais. Morava sozinho num sobradinho da Vila Madalena, que mandou pintar de vermelho. Não tinha muitos móveis, mas dizia que possuía o suficiente para viver bem. Seu orgulho era a sua coleção de CDs de rock. Também cultuava uma estante cheia de livros, enfeitada por dois porta-incenso, três cinzeiros, um narguilé e uma caixinha.
Ele e Teresa se conheceram numa tarde de sol, durante um show no Parque do Ibirapuera. Ele estava sozinho e ela com o filho, na época com 7 anos, e algumas amigas. A camisa feita de pano de saco que ele usava logo chamou a atenção da professora, que também adorava roupas do tipo hippie-chique. Logo trocaram telefones, descobriram que moravam relativamente perto (ela vivia em Perdizes) e começaram a namorar.
Foram quatro anos onde tudo parecia perfeito, com idéias e discursos andando juntos.
— A minha relação com o Paulinho é muito madura — dizia Teresa, orgulhosa, sempre que encontrava um grupo de meninas curiosas e ávidas por um bom namoro.
Suas alunas tinham pouco mais de 20 anos, a maioria passando por aquela fase em que tudo do coração é urgente e, ao mesmo tempo, confuso. Para as jovens, Teresa era um exemplo de mulher madura e bem resolvida.
— Vocês, meninas, sofrem por não perceberem que relacionamento tem que ser aberto. Veja eu e o Paulinho. Eu canso dele, às vezes, sabe? E tenho os meus namorados, lógico. Aliás, o Paulinho está precisando namorar. Uma de vocês não quer namorar um pouco o Paulinho?
De tanto oferecer, uma vez, sua aluna Juliana topou a brincadeira. Mas ninguém imaginaria o que viria depois. Aquilo que começou como um empurrão da professora, uma brincadeira para o seu par relaxar e variar, transformou Paulinho. Juliana também gostou do que provou. E o “relacionamento perfeito” escorreu pelos vãos dos dedos de Teresa. Suas convicções sobre o amor livre não lhe serviram para nada. Teresa, que parecia tão equilibrada, enlouqueceu.
— Julianinha, sua vagabunda! Você roubou o meu homem! — gritou ela, durante uma madrugada, bêbada, na frente da casa da agora namorada de seu ex. A moça ficou só olhando, escondida atrás da persiana da janela.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Eles seriam felizes

Publicado em 18 de maio de 2008 da Diário Dez

Andréia tinha certeza: César fez o que era certo. Silenciou. Desapareceu. Na época, ela ficou triste. Aquele encontro, o primeiro depois de 25 anos, era o prenúncio de algo. Mas não devia prosperar.
Andréia e César eram colegiais quando namoraram. Juntos, conheceram o amor. Estavam apaixonados. Mas ela tinha 15 e ele, 18. E a família de César decidiu mudar de estado — o romance passou a ter data e hora para acabar.
Ficaram tristes, mas, na despedida, não houve choro ou promessas. Eram jovens e sabiam que não podiam esperar nada um do outro.
Durante dois anos, trocaram cartas e cartões de Natal. Mas, aos poucos, o distanciamento foi inevitável. A vida lhes deu uma profissão, casamento e filhos.
César se formou em Medicina. Andréia partiu para a Arquitetura. Nunca, porém, se esqueceram.
Um dia, por curiosidade, Andréia procurou o nome de César na internet. “E descobri o e-mail dele!”.
Mesmo com o coração acelerado, ela enviou uma mensagem cuidadosa, pois não sabia em que tipo de pessoa César tinha se transformado. Minutos depois, veio a resposta.
“Não acredito. É você mesmo? Que surpresa feliz!”.
Ficou decidido que iam se encontrar. Em duas semanas, ele participaria de um congresso e marcaram um almoço.
Na véspera, eles mal dormiram. Pela manhã, não fizeram nada direito. Meio-dia em ponto ela estava no saguão do hotel onde era o encontro. Ele já a esperava. Um se jogou nos braços do outro.
--Foi como um impulso. Era pura saudades”, ela lembra.
Caminharam até um restaurante ali perto, escolheram uma mesa ao lado de uma janela e começaram a contar o que fizeram da vida. Mostraram fotos dos filhos (cada um tinha dois) e dos companheiros e falaram de suas conquistas e perdas. E, em cada palavra, um percebia que o outro era feliz. Relembraram dos tempos de namoro e, quase ao mesmo tempo, pensaram: “Nós, juntos, também seríamos felizes”.
Num dado momento, sem que ela esperasse, César colocou a mão sobre a mesa e tocou a dela. Seus corpos tremeram.
Ao voltarem para o hotel, ele pôs o braço sobre os ombros dela e disse: “Eu não contei pra minha mulher que eu ia encontrar uma amiga”, ele disse. Andréia sorriu sem jeito porque, na sua casa, também havia feito segredo sobre o encontro.
A hora voou e eles tinham que voltar aos seus compromissos. Para ela, foi difícil entrar no táxi e deixá-lo novamente. Prometeram se ver mais e trocar mensagens. Ele pegaria o vôo para casa naquela noite. Depois de mais um longo abraço, Andréia entrou num táxi. Olhou para trás e acenou, até perdê-lo de vista.
Já se passaram três anos. Ela nunca mais soube dele.
— O que acha que aconteceu para ele nunca ter dado notícias? — eu lhe perguntei outro dia.
Sem nenhuma mágoa ou tristeza, ela respondeu:
— É que ele sabia que, se começássemos, nunca mais pararíamos.
:-)

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Saudades da vida

Publicado na revista Diário Dez em 11 de maio de 2008

Ela era mulher de 47 anos. Solteira por opção, Lenice era feliz: realizada no trabalho, vivia bem com a família e cercada de amigos. Mas (sempre há um mas), apesar de estar bem, às vezes caía numa certa melancolia.
Sentia um não-sei-quê de tristeza sem motivo, mais parecido com uma saudade de algo que não conhecia. Ao mesmo tempo, a sensação intuitivamente lhe dava uma estranha esperança por algo que não tinha a menor idéia do que podia ser.
Mais jovem, Lenice pensava em se casar. Sonhava com o vestido branco, a igreja enfeitada de flores, a lua-de-mel, a casa própria decorada do seu jeito. Mas, para ela, tudo isso só tinha lógica se fosse ao lado de um par perfeito.
Seu sonho, porém, nunca deu certo. Não aceitava traições e conheceu várias. E preferia se afastar quando o relacionamento começava a se transformar naquele jogo de inevitáveis ataques deliberados, iniciado sempre quando um parceiro quer magoar o outro.
No fundo, Lenice alimentava o sonho de encontrar um amor, mesmo sabendo que era um desejo que parecia adolescente e romântico demais para quem tinha 47.
Há pessoas que descobrem o amor de forma inesperada. Tem quem, num curto espaço de tempo, vive um romance intenso e sem pudores. E pares que, assim que se conhecem, parecem companheiros de longa data.
Foi um amor com todas estas características juntas que Lenice viveu.
O namoro começou num domingo, graças a uma amiga que lhe apresentou um colega de trabalho, Caetano.
“Eu já estava desencanada e pensei: ‘Mais um que vai virar amigo’. Mas conheci mesmo foi o meu príncipe encantado”, me contou outro dia.
A atração entre os dois foi imediata. Olhares curiosos, conversa mansa, desejo.
Lenice viu partir daquele homem uma ternura que não conhecia. E, depois daquele dia, pareciam estar juntos desde sempre. Famílias se conheceram, novos laços se formaram, e uma felicidade nunca vivida parecia que nunca ia acabar. Lenice lembrava-se da velha melancolia e sabia: “Era dessa vida que eu sentia saudades”.
Seis meses depois de se conhecerem, eles foram atropelados por uma realidade trágica, mais parecida com um drama de cinema: Caetano caiu doente. E não era uma bobagem, mas um mal incurável no estômago.
Nos três meses seguintes, Lenice praticamente não saiu de seu lado. E, a cada dia, ela acompanhava a dor do homem que amava sabendo que, aos poucos, ele morria. A ela só cabia esperar.
Caetano se foi há um ano. Lenice tenta tocar a sua rotina. Mas, depois da morte, a velha melancolia voltou a aparecer. Agora, porém, ela sabe do que sente saudades.
“Vivemos nove meses como se fossem uma vida inteira e intensa. E eu me sentia mulher dele, de verdade. Sei que encontrei um amor que poucas pessoas sentem, um amor que transcende o corpo e o sexo”.

Após a meia-noite

Publicado em 04/05/2008

Mariana tinha pouco mais de 14 anos quando descobriu que estava grávida. Não sabia quem era o pai. Estava louca no dia. E se desesperou tanto que pensou em abortar. O que faria com o bebê? O que seria de sua vida?
Mas, aos poucos, foi gostando da idéia de ter um pequeno ser para cuidar. Soube pelo ultra-som que seria uma menina. E, numa noite, depois de sentir pela primeira vez a criança mexer em seu ventre, lhe fez a seguinte declaração:
“Agora que passou o medo do escuro da meia-noite, posso dizer que aceito ser sua mãe. Serei uma mãe precoce, você sabe, mas, no futuro, a gente poderá ir juntas a algumas baladas. Só não vou me drogar tanto como já fiz. Mas talvez você, algum dia, tenha que me carregar para casa. Prepare-se.
Nos primeiros dias da gestação, chorei muito de desespero. Não se entristeça por isso, porque já passou.
Nesta tarde, senti você se mexer na minha barriga e nunca senti emoção e felicidade iguais.
A partir de hoje, vou colocar ao lado da barriga uma música legal pra você escutar toda noite e já ir se acostumando a sons de qualidade. Talvez algum rock progressivo, ou algo de Toquinho — ainda vou escolher —, mas você terá uma música para não se esquecer.
Tentarei ter um parto normal, mas, se na hora o médico disser que você corre riscos, permitirei a cesariana sem vacilar.
Pretendo lhe amamentar até os 2 anos, pra você crescer forte. E vou sempre te ninar no colo, tenha certeza, cantando baixinho a mesma canção que vou escolher daqui a pouco.
Mas não pense que sua vida será só moleza. Você não terá tudo o que quiser, e nem na hora que quiser. Quanto mais espernear, mais dura serei.
Vamos brigar a partir do momento em que você começar a andar, mas nunca vamos dormir sem nos falar, sem trocar beijos e afagos.
Você também não vai comer só tranqueiras. Não sei como farei isso, porque eu mesma adoro doces e salgadinhos, mas resistirei por você.
Quando entrar na escola, estarei ao seu lado nas lições de casa, irei às reuniões chatas de pais e babarei nas festinhas de final de ano, vendo você fantasiada de flor ou de borboleta, dançando sem jeito.
Seremos cúmplices, tenho certeza. Mas acho que na sua adolescência vou me atrapalhar, como minha mãe se atrapalha comigo. Como não brigar e não querer que você faça o que eu acho certo? Como evitar que caia nas mesmas ciladas em que eu caí, confiar na vida e deixar você seguir o seu caminho?
É, não vai ter jeito! Na idade adulta, você terá que me perdoar por todas as discussões feias que teremos. Mas vou preferir mil vezes pagar um terapeuta, com quem você falará sobre nossa tumultuada relação, do que perder você para sempre”.
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