OS INIMIGOS
ÍNTIMOS
Ela sentiu nojo quando Joaquim
colocou a mão no seu
traseiro e disse com malícia:
— Você está molhadinha...
Valéria, então com14 anos,
passava o fim de semana prolongado
com a família no sítio
de Joaquim, um senhor de 60,
amigo de seu pai. Tinha acabado
de participar de uma “guerra
de água” com os filhos de
Joaquim e entrava na casa
quando foi abordado pelo homem.
Sentiu um ódio mortal e
não se intimidou diante dos
cabelos do senhor, que ria para
ela. Respondeu no impulso:
— Vai passar a mão na sua
mãe, tarado! — e entrou pisando
firme na casa, deixando
Joaquim gargalhando.
Amenina virou o diabo no
resto do feriadão. Sem coragem
de contar para ninguém o
que tinha acontecido, começou
a destratar o dono da casa e
a atormentar a família para ir
embora mais cedo. Só conseguiu
mesmo foi brigar com os
pais, que não entenderam a
mudança de comportamento
da adolescente. Joaquim continuou
a frequentar a sua casa.
Mas ele chegava e ela saía:
— Odeio esse homem! —
Valéria dizia sempre.
A menina amadureceu sem
nunca revelar aos pais o porquê
de tanto ódio contra aquele
senhor de cabelo branco,
melhor amigo da sua casa.
— Meupai não entenderia.
Aos 11 anos,Mariah também
descobriu que tinha um
inimigo íntimo: o tio Binho,
casado com a irmã de sua mãe,
pai de duas gêmeas bebês.
A família deMariah morava
em um sobradinho modesto
na Vila Mariana. Aos sábados
à noite já era tradição: os
tios iam à sua casa jogar buraco
até a madrugada, sempre na
cozinha. Para Mariah, as priminhas
eram como bonecas,
comas quais ela adorava brincar.
E as crianças tinham que
dormir às dez da noite. As gê-
meas tinham uma cama só para
elas, no quarto deMariah e
caíam sempre em um sono
muito pesado.
— Até que um dia eu acordei,
no meio da madrugada,
com aquele homem deitado
comigo, debaixo do meu cobertor,
passando a mão nas
minhas pernas, enquanto cochichava
no meu ouvido com
aquele cheiro péssimo de cerveja
e cigarro: “Não fica assustada.
Sou eu, o tio Binho...”
Tio Binho pulou da cama na
hora que ouviu chamarem o
seu nome, no andar de baixo.
— Não conta pra ninguém,
viu? — ordenou.
Mariah chorou baixinho
um bom tempo, mas não teve
coragem de chamar a mãe.
Dormiu mal, com pesadelos.
Passou o domingo amuada,
mas seus pais acharam que era
uma gripe.
Os sábados à noite viraram
uma tortura para Mariah. Tio
Binho era metódico e tomava
cuidado para não ser flagrado.
Depois que as crianças iam para
o quarto, ele esperava pelo
menos uma hora para ir atrás.
No meio do jogo, dizia que ia
fazer xixi — o sobradinho só
tinha banheiro na parte da cima.
E se metia debaixo do cobertor
da sobrinha para lhe alisar
as pernas e a barriga, e lhe
dar alguns beijinhos. Não passava
disso, mas foram pelo menos
dois anos assim. Só que
Mariah crescia. E planejou um
jeito de acabar com aquilo.
— Eu fiquei com um alicate
embaixo da coberta. Quando
se achegou, fui na orelha dele e
apertei ao máximo. Tio Binho
não pôde nem gritar de dor.
Nem sei que desculpa deu.
Mas nunca mais teve jogo de
buraco lá em casa.
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