quinta-feira, 10 de março de 2011

15/03/2009 - Um dor bem real

UMA DOR BEM REAL


O muro quebrado continua lá. Já são quase sete

anos. Depois da suave curva à direita, é uma destruição

em formato de triângulo na mureta caiada

que separa as pistas da rodovia.

Orapaz de 19 anos se achava o máximo. Evandro

estava no primeiro ano da faculdade de direito,

havia ganho de presente dos pais um carro novo

e não tinha nenhuma preocupação na vida.

Naquele junho comsol de rachar, comoquase

sempre ocorre no inverno paulistano, saiu de

short, camiseta e chinelões disposto a se divertir.

Era domingo e início de tarde. Tudo hoje é sem

sentido, esquisito mesmo, até o tempo.

Jogo do Brasil na Copa doMundo. Evandro

passa na casa de Plínio, amigo que mora na Mooca,

e avisa que a galera vai se encontrar num barzinho,

para ver a disputa em um telão. O estudante

segue na frente com um primo. Em outro carro vai

Plínio. Todos querem chegar rápido. Mas Evandro

adora correr. O adesivo como símbolo de rachas

grudado na traseira de seu carro diz para o bom

entendedor de que praia ele é.

Emparelhado com o carro de Plínio, Evandro

acelera sem medir consequências. Fica feliz porque

deixa o amigo para trás. Mas não percebe a

curva. E a curva de repente se fecha mais. Ele perde

o controle. O carro atravessa uma, duas, todas as

faixas da rodovia, e bate na mureta branquinha,

recentemente caiada. Capota. Comas rodas para

cima, o veículo se arrasta por mais uns 100 metros,

até parar por falta de impulso.

O primo carona, preso ao cinto, fica firme no

banco e tem só escoriações. Mas Evandro, que

nunca acreditou no fim da vida, não tem a mesma

sorte. Está sem cinto e morre no local.

Carro, corpo, rosto, tudo fica irreconhecível.

Para não atrapalhar o trânsito, o que sobrou do rapaz

é colocado na calçada. Quando chego, de longe,

percebo a mãe sendo retirada da cena. “Melhor

assim”, penso. “Não preciso falar com ela. Tenho

que escrever a história do acidente e só”.

Mas ela caminha em minha direção e, ao cruzar

comigo, segura o meu braço e diz, como se me conhecesse:

— Não acreditaria se não visse commeus próprios

olhos. É o início do fim de minha própria vida

que está jogado naquela calçada imunda.

Foi a primeira vez que vi a dor real estampada

no rosto de uma mulher.

O muro quebrado continua lá. Já passou a outra

Copa.OBrasil não foi campeão.Mas omuro,

cada vez mais cinza, está do mesmo jeito. Uma

marca de triângulo mal feita na minha memória.

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