quinta-feira, 13 de outubro de 2011

De pantufas de leão

Gilberto bem que gostou daquela vida que acabara de descobrir.

Débora era diferente de toda mulher que havia conhecido. Ela era bonita, formada em administração, tinha um bom emprego, um carro e apartamento próprio, onde vivia sozinha com sua poodle Fifi. Mas, melhor do que tudo, ela era muito boa de cama e ainda não se importava em sair cedo para trabalhar, enquanto ele ficava em sua casa.

Gilberto aproveitava a solidão e dormia até mais tarde. Valorizava aquele tempo para pensar no que queria da vida. O rapaz de 23 anos estava numa fase pela qual muitos passam: tinha dúvidas quanto ao futuro, à profissão a seguir, a que curso fazer. Não conseguia decidir se deveria estudar perto de casa ou escolher uma faculdade em outro lugar. Já tinha prestado vestibular e iniciado a faculdade de direito. Por isso, morou seis meses no interior, em uma república. Mas percebeu que não tinha vocação para leis e pensou em fazer odontologia. Desistiu do curso de direito e voltou para casa.

Seus pais não estavam nada satisfeitos. Foi nessa fase de dúvidas que ele conheceu Débora. Na casa dos pais, sentia-se pressionado.

— Eles querem apressar a minha decisão — queixava-se aos amigos.

Por isso, quando seu caminho cruzou com o de Débora e ele percebeu que poderia passar muito tempo no apartamento dela, Gilberto vibrou. Ela, 15 anos mais velha, parecia não ligar para as dúvidas dele. Gostava de sua companhia, comprava tudo o que ele gostava de comer e ainda deixava livre o controle remoto da TV. Era a vida perfeita.

Mas Gilberto, de fato, não conseguia olhar além do próprio umbigo. Débora podia parecer liberal, até gostava, mas também buscava mais do que noites de bom sexo na sua cama. E as dúvidas existenciais do rapaz começaram a cansá-la.

— Tudo bem que ele tenha desistido do curso direito, mas quem quer fazer odonto precisa estudar. E eu nunca vi uma apostila sequer em casa. Aquilo começou a me irritar. Ele parece uma criança — desabafou.

Débora morava em um bom bairro na sua cidade. Seu apartamento era considerado de classe alta. Um dia, esqueceu um documento do escritório em casa e iria precisar dele para uma reunião. Então, lembrou que tinha deixado Gilberto dormindo e ligou para pedir um favor: que ele pegasse o papel e descesse em meia hora. Eram 11 horas.

— Quando cheguei, quase morri. Ele estava sentado no degrau do portão do meu prédio cheio de frescuras, com a bermuda do pijama, sem camisa, todo despenteado, segurando a Fifi pela coleira e, nos pés, usava as minhas pantufas de leão. Foi a gota d’água. Acabou. Pantufas de leão não dá!

Publicado na Diário DEZ! em 28 de setembro de 2008

terça-feira, 4 de outubro de 2011

28/11/2010 - Fora da linha reta

O carro que ia logo à nossa frente, na Bandeirantes, não conseguia seguir reto, em uma única faixa. Eu e minhas amigas rezávamos. Era tudo o que a gente podia fazer. Nele, seguiam Airton, Marília e a filha dela, de apenas 3 anos. Airton estava completamente bêbado. E, na sua teimosia, não quis entregar o volante para Marília.



Era noite de domingo. Nós tínhamos ido até Valinhos para a festa de aniversário de uma colega da faculdade. Airton e Marília namoravam há seis meses. Ainda estavam na fase de “só beijos e abraços”. Naquele dia, entraram na fase de “brigas intermináveis”. Mesmo assim, o relacionamento deles durou três anos.


Marília era a mulher mais linda da faculdade. Airton era o mais inteligente. Era aquele casal que combinava em tudo. Ela tinha saído de um casamento atribulado, com um marido violento. Ele lhe deu apoio na etapa pós-separação e depois também, quando resolveram morar juntos. Mas Airton não podia beber. E só descobriu isso durante o relacionamento com ela.


Começou com as bebidas no happy hour. Ele passou a chegar em casa carregado por amigos, deitava no sofá e dormia. Depois, vieram os problemas no trabalho. A empresa o aconselhou a buscar ajuda e se ofereceu para bancar uma internação. Ele ficou limpo, mas, seis meses depois, voltou a beber. Até que xingou o chefe e perdeu o emprego.


Uma vez, a polícia ligou para Marília. Airton havia sido encontrado caído numa calçada. Ele voltou para a internação. Uma vaquinha entre amigos pagou o tratamento desta vez. Limpo de novo, voltou a trabalhar, mas em Campinas. Queria distância dos amigos bebuns. Ela topou a mudança para o bem dele. Até que um dia Airton apareceu em casa alterado de novo. Ela brigou e ele lhe deu um tapa na cara. Foi a gota d’água. Marília pegou a filha e foram embora. Ele nunca conseguiu o seu perdão.


A última vez que vi Airton foi em Paranapiacaba. A charmosa vila inglesa construída no meio da Serra do Mar no final do século 19 promove um festival de inverno nos meses de julho. Estávamos em uma casa de chá. Era uma tarde bem típica: fazia frio e uma garoa fina caia por tudo.


Logo percebi que Airton estava meio “alto”. Fazia uns cinco anos que não o via, desde a separação. Airton me abraçou com uma empolgação que só os bêbados têm. Mas ele era um alcoólatra contido. Depois da festa inicial, nos sentamos e começamos a conversar. Eu estava com o meu namorado e estranhei quando vi que meu amigo estava só. A vila é ótima para curtir a dois e perguntei:

– Por que alguém sai de Campinas, atravessa São Paulo e vem sozinho, sem carro, para Paranapiacaba?


– É que eu gosto daqui – e pediu para ficar conosco.


Ele era adorável. Meu namorado logo se encantou com sua simpatia e inteligência. Depois de acabar com o bule de chá, resolvemos passear pela vila. Mas Airton sugeriu:


– Antes vamos pedir um conhaque para esquentar?


Ele tomou duas doses em seguida. Saímos para andar. Eu queria ver os shows, entrar nas lojas, comprar artesanato, enfim, curtir o lugar. Mas a cada quadra Airton parava para entrar em um bar.


Muitas paradas depois, ele me puxou de lado e disse, com lágrimas nos olhos e língua já enrolando:


– Vou te falar por que eu vim aqui. É que achava que ia ver a Marília. A gente sempre vinha nesse festival. E ela adorava.

21/11/2010 - Balas todos os dias

Ela saiu cedinho de uma casa para ir para a escola e, no final da tarde, quando a mãe foi buscá-la, já a levou direto para outro lugar. Julinha ficou surpresa. Ela não sabia que ia mudar. A mãe, a avó e a tia fizeram tudo às escondidas. A mãe, com medo da reação da menina, montou um quarto novo para elas, todo cor-de-rosa, para compensar a mudança brusca. Mas a menina não entendeu nada. Ficou confusa. O quarto lindo não compesaria o mal feito.




Também pudera: Julinha tinha 8 anos quando isso aconteceu. Sem ser preparada ou mesmo avisada, ela foi tirada de uma casa térrea, com quintal e jardim, num bairro central da cidade, e levada para um apartamento apertado de um conjunto habitacional popular, bem mais modesto.





Mas o tamanho não era exatamente o problema. A casa onde morava com a família e o padastro ficava em uma rua tranquila, com várias crianças vizinhas, menininhas como ela, que se reuniam sempre para brincar. Julinha não poderia mais brincar com as suas amigas. E nem teve tempo de dizer tchau, dar o novo endereço ou algo assim. Então, a solidão foi o primeiro problema, mas viriam vários outros.





Logo na primeira noite no apartamento, nem ela e nem as mulheres conseguiram dormir. Do lado de fora do prédio, que era vizinho de uma favela, ponto de tráfico conhecido do bairro, elas ouviam cirenes de carros de polícia, gritaria e tiroteio. Ficaram apavoradas. Onde moravam antes era muito mais tranquilo. Mas não tinha mais como voltar atrás ou procurar outro lugar para morar. O aluguel de lá foi pago adiantado, três meses.





No dia seguinte, a menina precisou sair de casa ainda mais cedo para ir para a escola (já que apartamento era mais longe). Não dava mais para ir a pé. Ela e a tia precisavam se espremer no ônibus até a escola. Ela odiou a novidade.





Ao longo do dia, Julinha sentiu dores de estômago e teve febre quando chegou a hora de ir embora. Não queria voltar para o apartamento. Queria ir para a casa “velha”.





Nos dias que se seguiram, seu desempenho na escola despencou. Um mês depois, a escola pediu para a mãe encaminhá-la para uma psicóloga.







O que lhe explicaram é que tinham mudado porque não gostavam mais do padastro. Julinha também não gostava de Roberto. Ele era quieto, pouco divertido e sempre chamava a sua atenção quando fazia algo errado. Mas ele era o homem que ela conhecia como sendo seu padrasto no último ano. E era o relacionamento mais estável que a sua mãe tinha tido desde que se entendia por gente. Antes dele, havia um homem diferente na casa a cada mês. E a menina não gostava nada daquilo.





Um dia após a mudança, a mãe lhe apresentou quem ela logo percebeu quem poderia ser seu novo “padrasto”:





– Filha, esse é o Agenor, um amigo. Ele vai precisar dormir aqui hoje – disse Leonor.





A mãe não precisou dizer mais nada. Julinha entendeu o que devia fazer só de olhá-la. E, então, como numa cena já ensaiada, fez o pedido, sabendo que era exatamente o que a mãe queria que ela fizesse.





– Mãe, hoje eu posso dormir no quarto da vovó?





Julinha está cada vez mais triste. Às vezes chora e diz que é saudades. Mas não se atreve a pedir para voltar para a velha casa. Outro dia, disse à avó.





– Minha mãe bem que podia casar logo com o Agenor. Ele, pelo menos, me traz balas todos os dias.

14/11/2010 - batida para sempre

batida para sempre O corpo dela se projetou para frente com a batida. Andreia estava no banco do passageiro, sem o cinto de segurança. E bateu com o peito no console. Não foi displicência dela. Naquela época, não era costume usar o cinto, não havia a lei que multa, os jornais não faziam tanta campanha de segurança no trânsito. Mas, aparentemente, ela não tinha se machucado, pois o que se via eram apenas alguns arranhões nos braços.




Já Eduardo enfiou o rosto no vidro, quebrou os dentes, o nariz, fraturou a mão, se cortou todo com o vidro, desmaiou. Todos achavam que ele poderia morrer.





Não tinha motivo para o acidente. Eduardo não estava correndo (o velocímetro provou isso), ele e Andreia não haviam brigado e nem estavam conversando, o que poderia distraí-lo. Ele também não tinha bebido e nem tomado nenhum remédio. Por isso, até hoje, ninguém entende como o carro foi parar naquele poste. Foi perda total.





Andreia não soube explicar nada. Na verdade, tinha adormecido. Estava cansada porque tinham saído muito cedo e andado durante toda a manhã atrás de boas ofertas. Talvez Eduardo também tenha cochilado na mesma hora, dado uma daquelas “pescadas” que duram um segundo. E, naquele “frame”, ele perdeu o controle do carro. Mas Eduardo nunca reconheceu isso. Preferimos não questionar. O “como foi o acidente” ficou na conta do destino. “Era o destino deles passar por aquilo”, diz a mãe de Eduardo.





Passava um pouco das quatro, o casal voltava do Brás, onde tinham ido comprar roupas no atacado para a loja que pretendiam inaugurar no próximo fim de semana. O pai de Andreia era contra. Aliás, seu Fernandes também era contra aquele namoro da sua única filha. Ele odiava “aquele rapaz com cara de maconheiro”, sempre dizia. O acidente acabou com os planos que tinham para o futuro e mudou a vida dos três.





O Resgate chegou rápido. Ali, eles já foram separados. Cada um foi levado para um hospital. Ele, desmaiado, foi atendido em regime urgência, submetido a uma cirurgia (corria o risco de perder o movimento da mão).





Andreia, ao contrário, foi conversando na ambulância com os paramédicos, que constataram apenas escoriações superficiais no seu corpo. Foi só no pronto-socorro, uma hora depois do acidente, que ela começou a sentir dores. Naquela altura, ela já tinha feito alguns exames, que constataram lesões internas, com hemorragia grave. Quando o pai dela chegou, só teve tempo de assinar a autorização da primeira operação – eram incontáveis as lesões de Andreia.





Na primeira oportunidade, o homem transferiu a filha para um hospital do convênio, onde ela ficou internada por quase dois meses. Eduardo, ao contrário, teve alta rápido. Em 15 dias, já estava em casa. Ele, então, quis visitar a namorada. Mas o pai dela proibia as visitas do rapaz e dos amigos dele. Ele tentava todos os dias. O velho, porém, dizia à filha que o namorado não a procurava: “Vê agora, que está toda quebrada, que ele não a ama? Nunca a amou. Eu sempre disse isso!”





Fragilizada e presa na cama, ela não tinha como contestar. Cada vez mais só e deprimida, Andreia foi tomada por uma infecção generalizada. Só quando estava à beira da morte, o pai, com medo de Deus, permitiu a visita de Eduardo. Mas não deu tempo. Andreia morreu naquela manhã.

7/11/2010 - pra mudar vai demorar

pra mudar vai demorar – Ela me enfeitiça!




É assim que Anderson justifica o fato de ainda estar com Claudete. Ele não a ama, garante. Mas não consegue lhe dizer um definitivo “Não te quero mais, acabou!”. E isso mesmo sabendo tudo o que Claudete lhe fez.





Anderson e Claudete moraram juntos por dois anos. No começo, eram só os dois. A família dele ajudou a montar a casa, porque o rapaz é pedreiro, ganha pouco, e ela não trabalha. Um ano depois, Claudete trouxe para morar junto com eles a mãe e a filha de 10 anos, que teve quando era adolescente. Mais um ano e Claudete quis se separar. Mas não disse nada para Anderson. Só os amigos e a família dela sabiam. Um belo dia, quando o rapaz voltou do trabalho, encontrou sua casa vazia. A moça tinha partido e deixado um bolo para ele comer em cima da mesa. Anderson quase enlouqueceu. Descobriu que tinha sido traído, que um outro homem havia financiado os móveis da nova casa dela, da mãe e da filha. Mesmo assim, queria revê-la. Com a desculpa da raiva, ele insistiu em encontrá-la para lhe dizer “poucas e boas”. Até que conseguiu. Mas eles, para espanto de todos, voltaram a namorar.





– Ela explicou que não queria me deixar, que foi pressionada pela mãe – me contou.





– Mas e a traição? E o outro homem?





– Eu não sei o que fazer. Eu sei disso. Também sei que ela só gasta, não trabalha nada. E, pensando friamente, nem gosto tanto dela assim. Mas ela me enfeitiça! – me respondeu.





Anderson parece sofrer de uma “síndrome” que já vi em alguns outros homens, que temem decidir o rumo da própria vida e vão deixando as coisas se resolverem sozinhas, mesmo quando estão infelizes. É como se pensassem assim: “Estou com ela, está ruim, mas dá trabalho terminar. Então, vou ficando até quando ela resolver ou cansar.”





– Quero lhe dizer uma coisa: estou com uma mulher que não amo. Ela me atormenta e me paralisa – foi com essa frase que Álvares começou seu desabafo comigo. E continuou:





– Há dois anos, comecei um namoro com a Maria achando que ia ser muito bom, diferente. Mas o nosso relacionamento virou um tormento. Eu ando triste como nunca, imobilizado para a vida. Já falei para ela que temos que terminar, porque nós só fazemos mal um para o outro. Mas ela não se convence e eu não consigo resolver, mandar ela embora.





– Como assim? Se não gosta, não dá certo, termina. É muito simples, não é? – respondi, sem compreender como alguém pode manter uma situação infeliz tendo nas mãos os instrumentos para resolver o problema.





– Não é tão fácil. Eu não sei brigar... – assim, lacônico.





Fui, então, conversar com um outro amigo, um exemplo para mim. O cara teve três noivas, terminou com as três depois de estar com as casas montadas, e casou com uma quarta, sem noivar e nem ter casa. Hoje está solteiro, mas há mais de um ano que “fica” com Joana, uma ex-namorada, sempre afirmando que vai acabar de vez “amanhã”. Perguntei porque os homens se comportam assim.





– É que tem alguma coisa na mulher que, mesmo que o homem não queira admitir, ele gosta. Ele diz que não gosta dela, mas tem algo que o envolve e que é difícil mesmo de se desvencilhar. Geralmente é o sexo. Olha só o meu caso: já terminei com a Joana, mas para largá-la de vez, só se eu mudar desse país. Então, vai demorar.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

31/10/2010 - Ele é muito ingrato

ele é muito ingrato Parecia muito bom para ser verdade. Mas era. Cleonice, enfim, estava namorando.




Não era mais a mulher solitária, largada do marido com uma filha para criar. Nos últimos cinco anos, tinha visto sua auto-estima despencar e, depois, ser reconstruída mas muito lentamente. Após a separação, em seis meses, engordou dez quilos, sua pele ficou péssima, seu cabelo, sem brilho, e suas unhas viviam lascadas. Não que estivesse propositalmente desleixada. Mas uma tristeza tinha se abatido sobre ela. Chorava a qualquer hora e por qualquer coisa.


Sozinha, sem grana para se bancar, precisou voltar a morar com os pais. Por mais que o casal de velhos amasse a neta, não tinha paciência para as artes da pequena e a lista de proibições na casa só crescia. A liberdade que só se tem na própria casa, acabou.





No trabalho, a produtividade também caiu. Cleonice estava atrapalhada, esquecia tarefas, faltava muito, deixava migalhas por onde passava (porque sempre tinha um pacote de algo na mão para comer). Só se manteve no emprego porque tinha cinco anos de casa – e de crédito junto ao dono da empresa, que a conheceu nos bons tempos.


Depois de passado o impacto do divórcio, Cleonice se deu conta de quanto estava só. Não saia mais, os amigos tinham desistido de chamá-la. Só uma amiga era mais fiel:



– Cleonice, você tem que sair dessa fossa, se cuidar – sempre lhe aconselhava.

Então, quase dois anos depois da separção, teve, enfim, coragem de se olhar seriamente no espelho. E levou um susto. Decidiu que era hora de voltar ao que era antes, pelo menos fisicamente. Fez matrícula em uma academia, começou a fazer dieta, procurou um dermatologista, enfim, resolveu investir nela mesma. Também voltou a sair. Primeiro, com a amiga fiel, depois com os novos colegas da academia, e assim, foi retomando a vida.

Mas o problema da solidão persistia. Há quase três anos estava sem sexo e precisava urgentemente de um namorado, o que não era fácil de arrumar.

Começou a frequentar baladas, a beber mais e se soltar. Quem sabe, bêbada, não encontrava alguém? Com a razão embaçada, podia ser menos exigente e cair na gandaia com quem aparecesse. E não é que funcionou? Mas nada que, no dia seguinte, tenha a deixado feliz ou orgulhosa.

– A noite foi boa, mas nem trocamos telefone. E, pior, estou com uma baita dor de cabeça – foi o que disse na primeira vez. Mesmo assim, o sexo desse jeito rolou umas duas vezes. E isso em dois anos.


Até que conheceu Silvio num site daqueles que buscam seu par ideal. Viúvo, pai de dois meninos já crescidos, quase 50, morava só. Era perfeito. Marcaram um encontro, depois outro e mais outro. Enfim, começaram a namorar.


O apartamento de Silvio era bem mobiliado, não faltava nada. Os filhos não viviam lá, mas tinham total liberdade no lugar. Seis meses de namoro, Cleonice já se sentia no direito de dar palpites. Começou com um quadro da sala que cismou que devia ir para o lixo, depois implicou com as cortinas, e ainda com o quanto os filhos dele comiam. Mas deixou ele roxo quando perguntou, assim como quem não quer nada, se não seria bom ela ir morar com ele. Silvio a mandou embora. Disse que não poderia resolver em seis meses as carências que ela tinha acumulado em cinco anos. Ela ficou surpresa. E até hoje diz que ele é muito, mas muito ingrato.

24/10/2010 - Um efeito contrário

um efeito Contrário Quando o barato bateu, Nina resolveu ir embora. Começou a se perguntar o que fazia ali, no meio da madrugada, em uma praça, compartilhando um baseado com cinco garotos, quatro deles desconhecidos. Eles tinham idade para ser seus filhos! Mas ela não era do tipo antiquado. Podia muito bem namorar com um homem mais novo. E era isso que estava fazendo. Só não imaginava que ele ia lhe arrastar para uma aventura tão juvenil.



– Vamos tomar mais uma cerveja ali na esquina? – sugeriu um dos garotos.


Ela encarou Fred como a implorar que respondesse “não, está tarde, já vamos embora”. Mas não foi isso que ouviu. O menino até retribuiu o seu olhar, mas não captou a sua súplica, e respondeu:

– Lógico, cara. Estou nessa.

Internamente, Nina explodiu. Não entendia no que a conversa chata daqueles guris atraia Fred. Ela queria ir para a casa dele, ali do lado, um quarto e cozinha de estudante universitário, com móveis de segunda mão, muito bagunçado, mas com tudo cheirando fresco. O frescor da juventude que ela mesma se esforçava para não perder. Mas naquele momento, chapada, refletia que tinha coisas da juventude que não eram para ela.

– Vou embora, então! – ela declarou, pegando a chave do carro e fazendo cara feia.

Fred levou um susto:

– Não! Espera aí! Eu vou com você! Achei que estava tudo bem, poxa!
– E está. Você pode fazer o que acha melhor. Eu não estou a fim e vou embora – ela respondeu, já dentro do carro.

Nessa hora, a cabeça de Nina rodava. Desacostumada com drogas, seu corpo reagia de uma maneira inesperada. A intenção era que ela relaxasse, mas ao contrário, se instalava nela um mau humor sem precedentes. Tudo parecia superlativo. Racionalmente, sabia que a irritação era desproporcional, mas não conseguia evitar.

Fred entrou no carro e seguiram para a casa dele. Ela se assustou porque as ruas pareciam largas, os prédios, enormes. Com o pouco de razão que lhe restava, dirigia o mais devagar que conseguia. Decidiu entrar mais por precaução do que por desejo - não podia ficar no volante daquele jeito.


Mas a noite tinha acabado para ela. O namorado bem que se esforçou, mas Nina já não achava mais graça em nada que ele fazia. Primeiro, cozinhou para ela: macarrão instantâneo, típico da dispensa de estudantes. Ela engoliu. Há uma semana, o mesmo prato tinha sido para ela como um jantar à luz de velas.
Começou a olhar ao redor e a bagunça que antes achava tão “fofa” era agora insuportável. Quando percebeu, Fred parecia ser muito mais jovem do que era e se sentiu como se fosse sua mãe. Começou a reclamar, primeiro da arrumação, depois da limpeza dos lençóis, da pia cheia de pratos, das cuecas penduradas no box do banheiro, enfim, de tudo o que ela nunca havia se importado. Falava tanto, e ele retrucando, que aquela falação virou uma discussão frenética, que ela não lembra como terminou.


Também não sabe como dormiu. Mas acordou no meio da manhã seguinte, na cama dele, de roupa e tudo. Fred dormia num tapete. Ela saiu sem fazer barulho e foi direto para casa. Já se passou mais de mês e ela ainda espera que ele ligue. Mas não tem muita convicção. É que, do pouco que lembra do bate-boca, tem quase certeza que chamou Fred de “meu filho”. Para uma amante mais velha, ela sabe, isso é igual a dizer “é o fim”.

17/10/2010 - A ponto de implodir

a ponto de implodir Renato parecia perfeito. Quase 50 anos, vida econômica estável, separado, sem filhos. Também era bonito, não aquela beleza perfeita, que atrai todos os olhares femininos. Mais um jeito, que deixava Ângela hipnotizada.




Se conheceram na tarde de um sábado, em um sambão. Da dança para a conversa, da conversa para o beijo, do beijo para uma carona, quando viram, já estavam no apartamento dela. A noite parecia ser muito promissora.





Conversaram sobre tudo. De poesia a futebol. De música à culinária. Os dois já haviam morado na Europa e tinham planos de voltar, a passeio. Os dois tinham cachorro. Os dois adoravam fotografar. Tudo entre eles parecia coincidir.





Deslumbrada, aos 45, Ângela se apaixonou. Só uma coisa, porém, a intrigou. Apesar de ficarem horas a sós, eles só trocaram beijos, e Renato não quis ir adiante no sexo. Deixou-a no meio da madrugada a ponto de implodir. Ângela suspeitou que ele não tinha ficado tão excitado quanto ela, mas preferiu acreditar que tinha sido só sua impressão. Pela manhã, esqueceu suas dúvidas quando recebeu dele um buquê de flores com um cartão cheio de palavras carinhosas:





– Encontrei um homem que se comporta à moda antiga: nada de sexo no primeiro encontro! Isso não é o máximo? – me disse naquele dia uma Ângela empolgada.





Uma semana e vários e-mails trocados depois, os dois se encontraram de novo. Foram ao cinema, jantaram e um restaurante francês e, de novo, terminaram no apartamento dela. Ângela tinha deixado tudo preparado. Vinho gelando, velas, lençóis limpos e perfumados, tudo para dar um clima perfeito ao encontro. Mas Renato, de novo, não “compareceu”. E, pior, desta vez Ângela teve certeza: ele não tinha conseguido ficar excitado.





O sonho de amor perfeito da minha amiga começava a se transformar em um pesadelo. Ela estava subindo pelas paredes e o homem que desejava não conseguia satisfazê-la. Chorosa, me ligou:





– Vi, ele não consegue. O cara é perfeito, é tudo, mas não consegue... O que faço?





A situação era tragicômica:





– Calma... Se está tão interessada, vale a pena insistir, tentar conversar, ver o que é.





Lá foi Ângela para um terceiro encontro. Marcaram um café num domingo à tarde. Falaram da infância, riram a valer. Era alto verão, fim de tarde, e resolveram dar um passeio no Ibirapuera. O coração de Ângela acelerou quando ele pegou na sua mão. Pareciam namorados. Ele, então, a levou para casa. Mas não quis subir. Ela estava inconformada:





– Chega. Não posso com isso. Não vou mais procurá-lo!





Renato parece que pensou o mesmo. E, por duas semanas, não se falaram. Ângela ficou triste e saudosa. Até que, numa quinta, ele lhe ligou. Ela ficou feliz e o chamou para jantar – ia cozinhar para ele.





O moço levou vinho e flores. Ela fez um risoto e salada picante, tudo delicioso. De sobremesa, creme de papaia com licor de cassis. No sofá, ao som de música romântica, Ângela só pensava: “Agora vai!”.





Mas não foi. Ele não conseguia... Ela tentou tirar a roupa dele, mas Renato a impediu. Descontrolada, ela sugeriu:





– Olha, vamos já numa farmácia comprar Viagra! Não é possível que não dê jeito!





O rapaz se esquivou e disse, com cara de indignado:





– Não! Você não entende! Eu não preciso disso!





E foi embora. Nunca mais apareceu.

10/10/2010 - Um mundo perfeito

um mundo perfeito Muita gente invejava Isadora. Ela sim, diziam, tinha uma vida perfeita. Apartamento próprio e bem montado na Vila Mariana, carro do ano, marido com bom emprego, filha linda, férias todos os anos. Ela mesma tinha uma empresa de consultoria de mercado imobiliário e sempre fechava ótimos negócios. Ganhava um bom dinheiro.




Mas, mais do que o sucesso de Isadora, quem a conhecia invejava a capacidade que ela tinha para organizar a própria vida. Seus amigos diziam que ela era uma pessoa que fazia tudo como planejou e no tempo que planejou. E, mais incrível, garantiam que tudo saia como ela queria.





Reclamavam, porém, que a moça era muito hermética e raramente estava disponível. Para alguém visitá-la, por exemplo, era preciso marcar com muita antecedência. Ela era capaz de não permitir que um amigo subisse ao seu apartamento se não tivesse lhe telefonado antes para combinar.





Em compensação, quem conseguia marcar uma ida a sua casa era recebido com toda a pompa. Podia ser almoço, jantar ou um singelo chá durante a tarde, Isadora sempre colocava a mesa com capricho – toalhas impecáveis, quitutes e bebidas de primeira. Mas tinha hora para chegar e para sair. A mulher era sistemática.





O que não sabiam os amigos é que Isadora tinha o hábito de se afastar do que não se encaixava no seu projeto de vida. Até o que pertencia ao seu passado e a desagradava, tentava ignorar. Ela não tinha tido uma infância difícil, mas por algum motivo, que nunca revelou, não se relacionava com seus pais. Eles não frequentavam sua casa. E ela, que era filha única, raramente ia à casa deles, apesar de religiosamente mandar dinheiro para os dois. A família, é lógico, criticava:





– Ela é fria. Nem a nossa neta traz aqui – reclamava sua mãe. – Parece que tem vergonha da gente – completava.





E Isadora tinha. O casal de idosos eram muito humilde para a vida que tinha proposto para ela. O lugar onde moravam – e onde ela cresceu, em Sapopemba, – seus modos ríspidos e pouco estudo não combinavam com o mundo que ela buscava. Então, os mantinha afastados e se irritava quando eles protestavam.





– Não falta nada para eles! – dizia, a quem lhe perguntava sobre os dois.





Mas a vida sempre pode fazer os planos perfeitos da gente se desmanchar. E foi o que ocorreu. Com 14 anos, Gabriela, filha de Isadora teve um tipo raro de leucemia e caiu de cama. Ela precisava de um transplante de medula. Mas o dinheiro de Isadora e o marido não comprava a cura – uma medula compatível, cuja a chance de encontrar fora da família era de uma para um milhão.





Foi só então que Isadora buscou os parentes. Todos fizeram o teste e ninguém era compatível. Mas seu pai, Juarez, teve uma ideia. Bem relacionado no bairro, passou a bater na porta dos conhecidos explicando o caso e pedindo para que fizessem o teste. A cada família, ele pedia mais indicações. Vários aceitaram. Foi um trabalho que durou meses, mas Juarez era incansável. Até que encontrou Jorginho. Filho de um varredor de rua, o garoto semianalfabeto tinha acabado de sair da Febem e aceitou fazer o teste mais por curiosidade do que por solidariedade. E ele era compatível.





Gabriela sobreviveu e hoje Jorginho e ela são grandes amigos. Isadora nunca mais se afastou dos pais. E ela nem lembra mais que um dia quis ter uma “vida perfeita”.

03/10/2010 DE CARA COM a amante

O lugar dava medo. Ficava em uma sobreloja, com acesso por uma escadaria estreita. Na meia luz do salão, Lourdes perguntou para a mulher da recepção se Zilda estava.




– Quem quer falar com ela?





– Diga que é a Lurdinha, uma amiga do bairro onde ela morava até o ano passado. Preciso muito falar com ela.





– Espera aqui, então.





Lourdes ficou observando o salão. Havia um sofá vermelho encardido em um canto da sala. Nele, um homem gordo tinha no colo uma moça bem mais moça, que usava um top e uma minissaia. Ela tinha idade para ser filha dele. Cortinas pesadas, de feltro azul escuro com enfeites dourados, fechavam as janelas. O lugar cheirava a cigarro e bebida. Tudo era muito pior do que ela imaginava ser um prostíbulo.





Poucos minutos se passaram quando a mulher que a atendeu voltou.





– A Zilda disse que você pode entrar. É o segundo quarto. Mas não demora muito.





Lourdes encontrou Zilda na cama meio dopada, mas com um olhar curioso.





– Afinal, o que você faz aqui? – perguntou.





Lourdes ainda estava atordoada com os últimos acontecimentos, mas só tinha uma certeza: queria arrancar de Zilda a verdade. Saber se ela era mesmo a amante de seu marido, como tinham lhe dito horas atrás. A notícia havia feito ela descobrir onde Zilda estava e, sem pensar muito nas consequências, já de noite, a tinha levado até o prostíbulo, que ficava em um bairro perigoso. Por isso, não queria fazer escândalo. Então, começou a improvisar uma história. E, conforme Zilda ouvia as palavras de sua inusitada visita, ficava mais vermelha. Lourdes disse:





– Oi, Zilda você lembra de mim, não é? Eu sou a mulher do Olavo. Eu estou aqui na mais santa paz. É que é uma emergência. É o seguinte: o Olavo morreu. É chato eu vir aqui te contar isso, porque sei que vocês eram amantes. Sabe, a gente era um casal aberto, ele me contava de você.





Nessa hora, Zilda reagiu.





– Do que você está falando, mulher? Quem é esse Olavo?





– Meu marido! Seu amante! Eu sei que ele comprou um apartamento pra você. Mas ele morreu e eu preciso de uns documentos dele. Mas não achei em lugar nenhum e achei que podiam estar no seu apartamento... aquele que ele te deu.





– Eu não tenho nenhum amante! Bem que queria ter um. Você é louca?





– Jura que não tem nada com ele, com o Olavo?





– Posso ser puta, mas não sou burra. Se tivesse um homem que me sustentasse não ia estar aqui, neste pardieiro. Mas ele tá morto?? Coitado!





Lourdes começou a chorar. Acabara de descobrir que o marido era fiel. Abraçou a puta e começou a agradecê-la.





– Ele não morreu. Eu é que inventei essa história pra você confessar. É que chegou no meu ouvido hoje que vocês eram amantes. Tinha que tirar a limpo. E eu dei um jeito de te achar. Fui na casa da sua antiga inquilina, que me disse onde você morava agora. É isso. Obrigada, obrigada!!





– Mas quem disse que eu e ele éramos amantes?





– A Fátima, uma portuguesa lá da rua. Você lembra?





– Já entendi tudo! A gente era amiga. E agora lembro quem é o seu marido. É o bonitão que ela vivia falando. Mas ficou com raiva dele porque nunca, nunca mesmo olhou para ela. E eu também briguei com a Fátima por causa de uns clientes. Essa fofoca foi vingança: mulher rejeitada sabe ser bem vingativa.

19/09/2010 - Sebastiana Aparecida

SEBASTIANA APARECIDA Sebastiana Aparecida era o seu nome. E ela o odiava. Desde menina, acostumara-se a ser chamada por apelidos. Os de casa a chamavam de Tiana. Para os de fora, ela era Cidinha ou simplesmente Diana, como a “Diana” cantada na música de Jerry Adriani, que estava na moda naqueles anos 1960.




Quando moça, era com um certo orgulho que ela ouvia os rapazes da escola cantarem em coro para ela: “Não se esqueças, meu amor, que quem mais te amou fui eu. Sempre foi o teu calor, que minh’alma aqueceu. E no sonho para dois, viveremos a cantar. A cantar o amor, Diana...”





E de tanto a chamarem de Diana, ela às vezes até esquecia que se chamava Sebastiana Aparecida. Cada vez mais se identificava como Diana e se sentia contrariada quando alguém citava seu nome verdadeiro. Morria de vergonha da Sebastiana Aparecida.





Como toda moça na sua idade, chegou um dia a sua vez de se apaixonar. Nelson era o nome dele. Rapaz claro, alto, bonito, de boa família. Ele também se apaixonou por ela. Já namoravam há quase um ano quando ele começou a falar em casamento.





Foi só então que Diana se deu conta que Nelson não sabia o seu nome verdadeiro. A moça caiu em desespero. Decidiu revelar a verdade, mas não tinha ideia de como fazer. Ele ia ter vergonha dela? Ia achar que ela havia mentido para ele? O nome seria motivo para ele desistir do noivado? A moça vivia nesse drama pessoal quando, num certo dia, acordou decidida a contar a verdade. Foi com toda a seriedade que ela começou a conversa, sentada com ele no sofá da sala de sua casa.





– Nelson, preciso falar uma coisa muito importante para você.





– O que foi Diana? Pode falar.





– Olha, Nelson, queria te dizer uma coisa que eu nunca tive coragem de contar, mas agora, como nosso namoro está mais firme, acho que tenho que falar.





O moço começou a ficar preocupado. Afinal, que segredo era esse?





– Ora Diana, fala logo. O que é?





– É que eu estou com muita vergonha de contar... Olha, deixa pra lá, falo outro dia.





Diana suava frio e Nelson já imaginava coisas. Será que ela não gostava dele? Será que Diana tinha outro? Será que já tinha tido outro?! E, pior, será que ela não era mais virgem?





Nelson já estava nervoso, com o rosto vermelho e ansioso para saber do que se tratava. Então, ele insistiu mais uma vez, quase brigando com ela para que falasse:





– Diga logo, Diana, o que é, pelo amor de Deus. Começou a falar, termina criatura!





Diana percebeu pelo olhar do namorado o que ele pensava, sua desconfiança. E viu que confusão poderia estar criando se não contasse a verdade. Então, ainda sem coragem de falar, pegou sua identidade, jogou para ele e saiu correndo para o seu quarto.





Nem um minuto depois, Diana escutou uma gargalhada vindo da sala. Saiu devagar do quarto e viu que Nelson mal conseguia falar. Chorava de tanto rir.





– Era esse o segredo?! Sebastiana Aparecida!!!! – caindo de novo na risada.





Naquele dia não teve namoro. Diana ficou furiosa e o mandou embora.





– O que é, está achando graça do meu nome?!





Mas é lógico que Nelson voltou no dia seguinte. Casaram-se, tiveram três filhos e são felizes até hoje.

12/09/2010 - Surpresa de aniversário

SURPRESA DE ANIVERSÁRIO Eunice tinha 60 quando entrou, pela primeira vez, em um sex shop. Mas era por uma causa nobre. Ela havia pensado muito antes de decidir qual presente daria para a filha mais velha, que faria 40 anos. Eunice queria algo especial, que a filha nunca esquecesse e que também fosse útil. Carmem estava separada e sem namorado há três anos. Então, Eunice sabia exatamente do que ela precisava.


– Boa tarde – disse ela alegremente para a atendente da loja, que a observava curiosa – e continuou:



– Eu quero um consolo para a minha filha que faz aniversário. Mas um bem bonito. Ela está há um tempão sozinha.





Era a primeira vez que a moça atendia uma mãe que queria comprar um vibrador para a filha. Ela saiu rindo e foi buscar no estoque os modelos mais caros que vendia na loja. Eunice pegava todos na mão e observava atenta cada detalhe. Tamanho, cor, textura, vibração, detalhes.





– Escuta, estes parecem ótimos, mas são muito artificiais e bonitos. Mas minha filha tem como fantasia transar com um homem negro e forte. Você não tem nenhum modelo assim, mais real?





A atendente saiu de novo e voltou com uma prótese bem escura.



– Ah, não, assim é muito escuro. Não tem um mais café com leite? Tipo mulato?



E lá foi a moça procurar o modelo certo.



– Mas este não faz um movimento? Preciso saber se funciona direito. Não vou ter como trocar se der defeito.





Munida de pilha, a atendente ligou o aparelho.



– Ah, agora sim. Este é perfeito. Você pode embrulhar para presente?





O dia seguinte era o aniversário de Carmem. Eunice chegou cedo à casa dela. À noite, haveria uma festinha lá e Eunice tinha prometido ajudar a organizar a recepção.



Antes de dar o presente, Eunice quis ter certeza de que o neto não estava por perto e tirou o presente da sacola.



– É para você, minha filha.



A moça começou a desembrulhar.



– Ah, mãe, eu não acredito...



Eunice achou que a filha ia ficar brava com a brincadeira. Afinal, Carmem era mais séria que a mãe. Mas, a filha ficou emocionada – adorou o presente. Tanto que, na hora da festa, ela dizia para as amigas.



– Tenho um namorado novo. Quer conhecer?

05/9/2010 - amante Paraguaio

amante paraguaio O romance parecia que ia engatar. Lina conheceu Gustavo em uma festa. Os olhares se cruzaram no meio da pista e quando os dois se aproximaram para conversar, as amigas (sempre as amigas) decretaram que iam embora. Lina não se intimidou. Entregou a ele um cartão e recebeu no rosto um beijinho. Na mesma noite, o moço ligou:




– Olá! Como está? Sou Gustavo. Você me entregou seu cartão agora, na festa...





Lina logo percebeu o sotaque e imaginou que ele era argentino. Marcaram de sair na sábado, um jantar perto da casa dela. No restaurante, Gustavo contou sua história. Era paraguaio, estava no Brasil a trabalho, gostava de comida italiana e de boa música. Tudo entre os dois convergia. Lina ficou encantada. Só ficou com medo de uma coisa: confessar que era fumante. “Vai que o bofe não gosta. Ele parece tão certinho”, pensou.





Na segunda, ele ligou de novo, tinha ingressos para um show de jazz naquela noite. Lina topou. Depois da apresentação, ela o convidou para um café no seu apartamento...





– Foi tudo de bom! Perfeito. Só fiquei preocupada porque, depois do sexo, não aguentei e fumei um cigarro. Mas, no dia seguinte, cadê o paraguaio? Lina mandou mensagem, e nada. Ligou no celular e o aparelho estava desligado.





Frustrada, ela parou de insistir. Mas ficou com a consciência pesada. “Foi aquele cigarro. Quando ele me viu acendendo, fez uma cara de horror”.





Mas ainda bem que a vida passa. Dois anos depois, estava Lina com uma amiga em um outro show de jazz. De repente, a amiga diz:





– Olha lá o meu amigo chileno!





Quando Lina se volta, quem é o chileno? Gustavo, o paraguaio que sumiu do mapa.





O rapaz ficou bem desconcertado.





– Olá, com está? – perguntou, com o seu velho e bom portunhol.





Ela decidiu esnobar.





– Oi, há quanto tempo... Mas, como é mesmo o seu nome? Desculpe, eu esqueci.





Enquanto o rapaz voltava ao bar para pegar uma bebida, Lina se apressou paraa contar a amiga.





– Eu sai com este cara e ele sumiu. Disse pra mim que era paraguaio e não chileno.





– Eu também sai com ele e o cara também sumiu. Mas hoje ligou e disse que tinha ido ver os pais no Chile. A mãe está doente. Me disse que só estudava aqui no Brasil.





O cara um mentiroso profissional. Lina ficou com tanta raiva que precisou fumar um cigarro. Saiu para o fumódromo e lá estava ele.





– Mas, você fuma?





– É, só unzinho de vez em quando!

29/08/2010 - meninas de família

meninas de família O traficante do bairro não se contentava em passar as drogas e ficar na dele. Achando que tinha costas quentes por causa da “profissão” e dos “chefões”, Cabelão insistia em aterrorizar a vida da mocinhas da comunidade. Gostava daquelas que pareciam mais sérias. Os colegas bem que avisaram:




– Você ainda vai se dar mal – diziam.



Mas ele não se importava. Sua primeira investida foi contra Sueli. Garota estudiosa, pai operário, mãe dona de casa, daquelas que não deixa os filhos sozinhos... mas Cabelão queria namorá-la. Ficava horas na frente da casa da família analisando os passos da menina-moça. Ela percebeu, reclamou com os pais, mas decidiram não fazer nada. Um dia, porém, enquanto ela ia até uma vizinha, Cabelão a abordou com um presente:





– É pra você. Quero você, entendeu? – disse.





Sueli era forte e tinha uns 16 anos. A raiva foi tanta e a reação tão instintiva que ela até hoje não sabe explicar. Mas o que se viu foi um homem apanhando de uma moça no meio da rua até desmaiar. E, ao contrário do que todos pensavam, os colegas da boca não correram para defendê-lo.





– A gente já tinha avisado pra ele não se meter com menina de família aqui do bairro. Pode deixar, moça, que ele não vai mais te encher, eu garanto – Foi a resposta que Sueli ouviu quando, depois da surra, decidiu ir conversar com o “chefe” de Cabelão. É que ela não queria ficar fugindo ou se escondendo dentro do seu próprio bairro.





Os anos se passaram, Sueli ia se casar quando Cabelão tentou outra investida. Bêbado, foi convencê-la a mudar de ideia levando debaixo do braço um pacote de dinheiro vivo. Não deu certo. Ela e o resto da família botaram o bandido pra correr. E ela se casou e só então saiu do bairro.





Mas Cabelão continuou por ali. E logo encontrou uma nova amada. Era Gabriela, a filha de 14 anos de um açougueiro. Primeiro, ele tentou agarrá-la na saída da escola. Ela correu e contou para o pai. O homem passou a segui-la. Até que numa tarde flagrou o bandido no momento de um novo ataque à filha. O açougueiro puxou um facão e matou Cabelão. E a Justiça inocentou o homem: foi em defesa da honra da filha.





Mas o açougueiro morria de medo de voltar para casa e virar vítima de uma vingança da quadrilha. Foi então que bateram na porta de Sueli.





– Eu sei que você não mora mais no bairro, mas podia ir lá falar com o “chefão”? Meu pai está com medo de voltar pra lá. E me contaram que você nunca teve medo dos bandidos.





Lá foi Sueli enfrentar o manda-chuva de novo:





– Tranquila menina. O Cabelão não tinha jeito. Cansou de ser avisado que com você e Gabriela, meninas de família, malandro não pode mexer. Diz pro açougueiro voltar, porque não aguento mais ir longe quando quero fazer um churrasco.

22/08/2010 - o experimento

o experimento “Uma mulher que só amou uma vez na vida!”


Era assim que Sueli se autodefinia. Ela era apaixonada por Edmar. Desde a primeira que o viu, há mais de 15 anos, sabia que ele era “o cara”. Mas não era um romance fácil. Como num enredo de novela, era um relacionamento repleto de desencontros. Brigas, rompimentos que duravam meses e reconciliações emocionadas eram rotina. Beirando os 30, Sueli estava cansada de tantas idas e vindas.





Desde o último rompimento com Edmar já haviam se passado seis meses. Desta vez, ela não pretendia ceder ao retorno. Sabia que ele sempre se virava com outras. Aliás, normalmente, era esse o motivo das brigas dos dois: o seu eterno amor estava sempre envolvido com mais alguém. Então, Sueli decidiu: também queria mais. E saiu à caça com um discurso na ponta da língua:





– Quero fazer como os homens. Sempre achei que só conseguiria transar com alguém por amor. Aliás, dizem isso das mulheres, que nós só nos relacionamos quando estamos apaixonadas. Mas chega! Quero transar sem compromisso, sem me envolver. Chega de paixão! Viva a Samantha!!





Samantha é a personagem do seriado “Sex and the City” que evita se envolver com quem transa.





A busca de Sueli durou pouco. No happy hour de uma quinta-feira ela conheceu Bob, um homem bonito e boa pinta. A atração foi recíproca. Três chopps e meia hora de conversa depois, os dois já estavam se pegando. Pareciam adolescentes.





Naquela noite, Sueli ainda se fez de difícil. Na verdade, precisava depilar. Mas, no sábado, estava pronta para completar o que chamou de “o experimento”: transar só pela atração física.





O encontro foi no meio da tarde, em um café na Paulista. De lá, foram para o apartamento de Bob, na Vila Mariana. Estava tão excitada que nem precisou de preliminares. Quando saiu de lá, quase meia-noite, estava nas nuvens.





– Satisfeita, eu diria. Mas o melhor foi o dia seguinte. Nada de suspiros, nem um pouco de saudades. O experimento foi perfeito. Não tem aqui nenhum resquício de afeto! – falava em tom de vitória, colocando a mão no coração.





Nem uma semana depois, a velha paixão volta a procurá-la. Edmar estava com saudades. Ele também estranhou o fato de Sueli, naqueles seis meses, não ter feito nenhum movimento para encontrá-lo. Só de ouvir a voz do ex, Sueli estremeceu. “É meu amor”, pensou. Marcaram um jantar, ele foi pegá-la em casa e levou flores. Na volta, ele entrou para mais uma taça de vinho e para todo o resto que eles desejavam. De novo, Sueli foi às nuvens.





– E a qual conclusão você chegou depois do seu experimento? Qual sexo foi melhor?





– Os dois foram ótimos. Mas, o que eu conclui é que, com amor, além de satisfeita, no final, a gente fica mesmo é muito, mas muito mais feliz!

15/08/2010 - direto ao ponto

direto ao ponto Às quartas, o salão do centro espírita nunca estava cheio. Por isso, Lucimara estranhou quando justo naquela quarta, quando ela faria o seu primeiro atendimento no local, o número de pessoas era tão acima do esperado. Parou na porta e pensou, sinceramente, em fugir dali. Mas seus guias já a haviam advertido que, quando ela começasse a atender, a permitir que eles lhe inspirassem para ajudar outras pessoas, tudo em sua vida mudaria para melhor. E também disseram que o primeiro atendimento seria marcante. E assim, parada na porta, refletindo sobre o que faria em seguida, que ela avistou “ele” no meio da multidão.




– Foi como se um feixe de luz só iluminasse ele no meio de um palco. Deixei de “ver” as outras pessoas. E ele também parou para me olhar.





Lucimara estremeceu e se apressou para entrar. Foi para a área reservada, trocou de roupa, rezou e se concentrou para o novo trabalho. Deveria estar com a cabeça livre dos seus próprios problemas e sintonizada com o alto para captar os bons fluidos e conseguir captar o que os seus mentores lhe inspirassem. Estava convicta: tinha que ajudar as pessoas. Mas, quando seu primero “paciente” foi o homem que lhe chamou a atenção no meio da multidão, Lucimara pensou que seus guias estavam brincando. Gilberto era o seu nome.





– Só pode ser uma provação – pensou.





Com um esforço sobre-humano, ela se concentrou e até que conseguiu dar bons conselhos a Gilberto para o rapaz. Soube logo que ele era casado e que o casamento não ia lá muito bem – a esposa o evitava. “Ouviu” de seus mentores que deveria ter paciência e não se separar. Ele se foi agradecido e ela ficou aliviada. Tinha sobrevivido.





Na quarta seguinte, lá estavam os dois de novo no centro. Os olhares se cruzando e ela vibrando por dentro, só lembrou ao final da sessão de agradecer a Deus porque ele não calhou de se consultar com ela de novo. Mas, do lado de fora, lá estava Gilberto, a esperando. A acompanhou até o ponto, disse que tinha se simpatizado muito por ela, pediu seu telefone. Lucimara gostou.





Naquela semana, Gilberto lhe ligou e convidou para um café, depois do trabalho. Num restaurante discreto, já na mesa, ele foi direto ao ponto:





– Sabe, assim que te vi, me encantei. Mas sou casado, tenho filhos, minha mulher é doente e não vou largá-la. Mas preciso de alguém para conversar, trocar carinho, transar. Alguém que fique só comigo. Eu não vou ter outra pessoa. Você aceita?





Lucimara não pensou duas vezes. Conversaram umas duas horas e, depois, foram direto para um motel. Nem sei quanto tempo vivem assim. Só sei que quando o e-mail dele chega perguntando “Você pode hoje?”, minha amiga sai mais cedo do trabalho e volta deslumbrante no dia seguinte. E nunca, nunca mesmo é numa quarta-feira.