quinta-feira, 10 de março de 2011

17/05/2009 - Tudo em uma só ligação

TUDO EM UMA


SÓ LIGAÇÃO

Quase toda madrugada é

uma mulher que atende o telefone.

Liane liga para pedir que

um guarda noturno a espere

chegar no portão de casa. Do

outro lado da linha, uma voz

metálica, cansada e irritada. A

primeira vez que a ouviu, Liane

garante que soube o que a

atendente sentiu:

— Ficou intrigada, curiosa

mesmo sobre quem eu era.

Pensou assim: “Nossa, isso é

hora de uma moça voltar para

casa sozinha?” — me disse Liane,

enquanto descrevia uma

cena imaginária. — Então, ela

olhou para o relógio e, intimamente,

faz uma autocrítica.

“Ora, o que estou mesmo pensando?

Mas eu trabalho a essa

hora!” E sorriu. — É que geralmente

passa da meia-noite

quando eu telefono, sabe?

Liane é assim: sempre imagina

o que outras pessoas pensam

dela, como reagem ao vêla

ou o que dizemquando ela

vira as costas.

—Bem, até hoje sinto a

moça despeitada quando escuta

a minha voz do outro lado

da linha. Ela atende o telefone

do mesmo jeito: “Central de

vigilância, bom dia”. Ao escutar

o meu “boa noite, é a Liane”,

ela responde um “boa noite”

seco, sempre seguido por

um “tchi”. É bem baixo esse

“tchi”,mas dá para perceber a

má vontade. No fundo, ela

quer dizer: “Ah, que saco! Que

vontade de xingar essa mulher

que me pede segurança!”.

— Você traduz todo o sentimento

de uma atendente de

telefone só através de um

“tchi” que você escuta, Liane?

Acha mesmo que está certa?

— Lógico que sim. O mais

irritante é que ela sempre pergunta

o número da minha casa.

Todo dia! Faz três meses que

ela trabalha lá. E eu respondo:

“É a três, meia, zero”. Então ela

pergunta qual é o carro. E eu

penso: “Que droga! É o Ka e ela

ainda não decorou!”. Mas eu

sou educada e digo com calma:

“É o Ka vermelho”. Quer também

saber em quanto tempo

eu chego. Mas são sempre dez

minutos, é a norma deles! E,

então, ela diz ok e desliga.

Liane imagina como amoça

é. Nunca a viu, não sabe o

seu nome, mas a descreve como

magrinha emuito miúda,

com os cabelos tingidos de castanho

claro já meio desbotados,

sempre presos em um rabo

de cavalo, e vestindo um

terninho surrado, às vezes preto,

às vezes azul claro.

— Ou seja, é horrorosa!

Minha amiga diz que gostava

mais do rapaz que a atendia

antes. Segundo ela, ele era

“boa praça”, mais esperto:

— Já respondia assim que

ouvia minha voz: “Ok, Liane,

daqui dez minutinhos o guarda

vai estar lá!”. Simples.

Liane também imagina como

ele era e se vestia.

— Moreno e meio gordinho.

Um pouco mais alto que

eu. E não usa barba. Roupas?

Sempre jeans, uma camiseta e

por cima um casaco ou um colete.

Quando usa camisa, o último

botão está invariavelmente

aberto, mostrando um

pedaço desagradável de sua

barriga. Acho que ele é assim.

Só há um detalhe em tudo

isso, Liane me conta, como se

fosse um segredo:

—É que, desde que a moça

começou a atender, nunca

mais o segurança furou, ou seja,

deixou de aparecer. Como

“boa praça”, várias vezes eu fiquei

rodando em volta do

quarteirão até o guarda chegar.

Sei lá, pode ser coincidência,

mas não deixa de ser curioso. A

moça é antipática, mas até que

é eficiente. Já o moço...

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