UM ESPORTE
MASCULINO
Aos 20 anos ele já se sentia
atraído por ela. Mirna tinha 40
na época. Robson era o estagiário
novo da empresa. Ele a
contemplava à distância, consciente
de que o seu desejo era
um sonho, uma fantasia juvenil.
Mirna era uma das diretoras
de área, casada, tinha filhos,
parecia feliz. E ele ainda
tinha no rosto as espinhas da
adolescência tardia.
Nessa época, Robson decidiu
tentar ser pelomenos um
bom amigo de Mirna. Se esforçou
para se aproximar e aprender
tudo o que poderia no trabalho.
Era sempre dócil, solícito,
atencioso.Mas, por mais
que tentasse, não conseguiu
disfarçar e remover do seu
olhar o desejo que sentia. E,
paraMirna, aquilo não passava
despercebido. Às vezes, jogavam
com olhares cúmplices,
mas ela preferia pensar que as
sensações que tinha eram só
impressões sem fundamento:
—Eu fazia de conta que
não percebia. É que, no fundo,
também me sentia atraída por
ele. Mas pensava: “Mirna, ele é
só um garoto e você está vendo
coisas”. É isso: não acreditava
que ele estava me desejando de
verdade. E deixava pra lá.
Um ano depois, o estágio
acabou e Robson foi embora.
Mantinham contatos esporádicos,
falavam um oi no Orkut
de vez em quando, trocavam emails
nas datas festivas. Mas isso
foi só no primeiro ano.Depois,
sem um bom motivo,
não se comunicaram mais.
Sete anos depois, o rapaz já
formado e comuma certa experiência
voltou a trabalhar na
empresa. Mirna estava em outra
fase pessoal. A aparente felicidade
de tempos atrás não
existia mais. Ela continuava
atraente, mas sua expressão tinha
um peso. Ele percebeu
com tristeza que era uma angústia
que estava prestes a se
transformar em amargor. Para
Robson, parecia difícil transpor
um tipo de barreira que
Mirna construíra em volta dela.
Estava mais fechada, não
queria conversas de corredor,
não havia olhares cúmplices.
— Estou me separando.
Meu marido me traiu — ela
lhe contou, quando ele perguntou
se estava tudo bem.
O rapaz se empolgou com a
notícia. Virou o ombro amigo
de Mirna. Enquanto o casamento
dela se desmanchava, ele
lhe dava livros, convidava para
sair, mandava flores. Mirna,
fragilizada, começou a se envolver.
E se apaixonou.
— Ele era quase 20 anos
mais novo do que eu—me
contou. — E foi um alívio para
mim, naquele período.
O casal resolveu se aventurar
em Machu Picchu. Fizeram
a caminhada para entrar na cidade
pela Porta do Sol, exploraramas
ruínas, tomarambanho
em Águas Calientes. Na
volta, ele passou a frequentar a
casa dela e até a dar conselhos
sobre a criação de seus filhos.
Poucos meses depois, porém,
Robson começou a parecer
inseguro. E, sem explicações,
passou a evitá-la.Mirna
ligava, mas ele nunca estava
disponível. Ela, que achou que
não sofreria mais por amor, se
sentia uma adolescente traída.
—Vai entender essa geração
— me disse outro dia. —
Ele sempre se declarou apaixonado.
Mas, agora que saiu a minha
separação, desapareceu. Só
pode ter ficado commedo da
minha maturidade. Como se
eu fosse muito para ele.
— Mas será? — eu retruquei,
desconfiada. — Pular fora
depois de uma conquista difícil
me parece mais um esporte
masculino. E, o que é pior,
praticado por várias gerações.
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