CONFIAR É
PRECISO
Mara temia o resultado do
exame. Mas sua intuição e experiência
não estavam enganadas.
Os enjoos, as tonturas,
o nojo do café só podiam ser sinais
de uma coisa: gravidez.
Ela não queriamais filhos. Já
tinha duas meninas. E não
conseguia parar de se sentir
uma irresponsável. Afinal, aos
44 anos e separada há dois, tinha
mais do que experiência
para saber evitar filhos.
Contar para o namorado
seria constrangedor, ela imaginou.
Mas nada além disso. Os
dois se conheciam desde a faculdade,
tinham tido um caso
na época, mas a vida os havia
levado para caminhos diferentes.
Umdia, ambos já separados,
se reencontraram. Estavam
juntos há poucomais de
seis meses, cada um em sua casa,
e se sentiam felizes assim.
O problema era que Valter
acreditava ser estéril. Separado
há cinco anos, ele tinha feito
vários tratamentos durante o
casamento, mas nada havia
dado certo. Seus espermatozóides
eram poucos e fracos. E
as chances de engravidar uma
mulher, remotas.
—Como posso ter certeza
de que é meu? — foi a primeira
coisa que disse, quandoMara
lhe contou. A mulher se surpreendeu
com a reação.
—Como você pode desconfiar
que não é? Eu estou dizendo
— respondeu, grifando
bem o “eu”.
Valter insistia que sua desconfiança
era legítima. Lembrou
sua luta para ter um filho
quando casado, os inúmeros
exames que tinha feito. Por
fim, contou a ela o que ouviu
da mãe certo dia: “Meu filho,
se um dia uma mulher afirmar
que está grávida de você, desconfie.
É golpe da barriga”.
Até aquela frase, Mara refutava
todos os argumentos, ainda
com uma certa paciência.
Mas, com a citação da mãe dele,
se sentiu ofendida. Como
ele poderia desconfiar da honestidade
dela, mulher que conhecia
há mais de 20 anos?
—Por que, com44 anos e
duas filhas, eu vou querer dar o
golpe da barriga? Ainda colocando
a minha vida em risco?
— e botou ele para fora.
Valter voltou no dia seguinte
com um buquê de flores vermelhas
e um par de sapatinhos
para bebês. Pediu desculpas e
prometeu acompanhar a gestação
passo a passo. E fez isso.
Curtiu todas as etapas, deu
apoio nos momentos difíceis,
ajudou a decorar o quarto e a
fazer o enxoval. Os dois decidiram
manter suas casas separadas,
mas ele passou a ficar mais
na casa dela. Nunca falaram
sobre a briga de novo, mas Mara
nunca sentiu a completa
confiança do namorado.
Quando o bebê nasceu,
uma menina que ganhou o
nome de Cintia, a maternidade
presenteou o casal com um
exame deDNA— era de praxe.
Ele abriu o envelope ansioso
e só então teve certeza do
que Mara já sabia. Se sentiu envergonhado,
mas nunca falou
nada sobre isso para Mara.
Cintia já tem 2 anos. O casal
continua em casas separadas,
mas ele fica muito mais na casa
dela. Tem adoração pela filha e
admiração por Mara. Mas, para
ela, ficou um incômodo no
coração. É que não consegue
perdoar a desconfiança, relevar
o acontecido naquela conversa.
Sabe que a filha a uniu a
Valter na vida prática, mas
criou entre eles uma cortina de
mágoa difícil de ser superada.
E, como tempo, intui, tal cortina
vai se transformar em
uma parede dura e completamente
intransponível.
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