quarta-feira, 1 de junho de 2011

Um tipo de palhaça

 — Ele achou que eu era uma vagabunda — me disse Cinira.

Era assim que ela explicava o fim de seu caso com Narciso. Os dois se conheciam há quase um ano e há três meses começaram a transar eventualmente. Não havia um compromisso formal, mas cada vez que rolava os dois ficavam nas nuvens. Pareciam um casal de apaixonados, com aquela insegurança comum a todo início de relacionamento. Narciso é o tipo de homem maduro que adora bancar o intelectual. Não é bonito, mas seu charme sempre resolveu tudo.

— Seu amigo é muuuiiito legal — me disse Cinira no dia em que eu os apresentei.

Logo avisei: — Cuidado. O Narciso não é um cara fácil. Se envolver com ele pode ser uma roubada.

— Fica tranqüila. Tenho experiência — desconversou Cinira, que tinha 45 anos e há três estava separada  Ela vivia com os filhos gêmeos, de 9 anos.

Mas foi tiro e queda. Ela se encantou com o jeito romântico de Narciso, que enviava e-mails diários de bom dia, textos engraçados à tarde e outros insinuantes antes do fim do expediente. Cinira resistia, até que um dia decidiu topar uma cerveja. Chegou ao boteco animada, mas teve uma surpresa: ele estava com outra a tiracolo. Minha amiga não perdeu o rebolado e fingiu que nem ligou. Mas, quando entrou no carro, desabou a chorar e me ligou, já se iludindo.

— Tem algo de estranho aí, não acha? — ela disse, fungando. — A mulher estava lá, mas ele ficou o tempo todo do meu lado. Está confuso. Tá na cara que não gosta dela!

É. A paixão já havia tomado conta de Cinira. Mesmo assim, ela esperou um novo sinal dele. Alguns meses mais tarde, Narciso finalmente procurou a minha amiga. Ali começou um romance. Cinira gostava dele, mas não queria forçar um compromisso. Geralmente ficavam na casa dele. Numa noite, porém, ele propôs:

— Vamos a um motel qualquer dia desses curtir uma tarde toda?

Ela topou. Marcaram no meio de uma tarde. Ele escolheu o dia da semana e o horário. Cinira estava excitadíssima. Inventou uma desculpa no trabalho e arrumou uma babá para ficar com os filhos a noite toda, se precisasse. Fez depilação, passou creme, fez as unhas. Uma hora antes da marcada, porém, Narciso enviou uma mensagem de texto pelo celular avisando que ia atrasar. Um cliente chato queria vê-lo. Ela respondeu que esperava ele avisar a hora que iria sair. Ele demorou uma hora para responder ok. Duas horas depois, Cinira mandou outra mensagem, perguntando o que fariam. E ele respondeu: “Sorry, mas ainda espero o meu cliente”.

 — E isso é tudo, Vivi . Faz uma semana. Não deu mais sinal de vida. Como se ele tivesse me descoberto na sessão de classificados. Então, o que posso pensar? Que, para ele, mulher apaixonada é assim: um tipo de vagabunda com cara de palhaça.

Publicado na Diário DEZ! em 10 de agosto de 2008

Nenhum comentário: