quinta-feira, 30 de junho de 2011

20/06/2010 Morte no piscinão

06/20/2010 MORTE NO PISCINÃO Uma tarde tive de fazer a matéria sobre a morte de dois garotos na obra de um piscinão na periferia de São Paulo. Morreram afogados num dia de muito calor. Não é uma pauta agradável, mas era parte do meu trabalho. E lá fui eu. Cheguei à rua de um bairro pobre e feio onde os meninos moravam. A contragosto, bati na casa de um deles. Ninguém atendeu. Um vizinho disse que o corpo já estava no velório e que a família do outro garoto tinha ido viajar. “Que droga!”, pensei. Não queria ir a um enterro para conseguir a história. Mas não tinha alternativa. Cheguei à capela e, de longe, observei que boa parte das mulheres usava saias longas e cabelos compridos. Era uma família de evangélicos. Achei difícil conseguir conversar com eles, mas fui em frente. Tinha uma missão. Do lado de fora, perguntei a um homem com cara amistosa quem era da família. Solícito, ele me mostrou, ao lado do caixão, a mãe e o pai. O pai parecia mais tranquilo, então me aproximei dele. Disse o que estava fazendo ali. Esperava mesmo ser maltratada. Então, veio a primeira surpresa. Ele secou as lágrimas com uma manga da camisa e disse, com calma, mais como um pedido: — A senhora pode esperar um pouco? Eu vou falar, porque não quero que aconteça isso com mais ninguém. Fiquei envergonhada pela pré-avaliação, preconceituosa até. Com a consciência pesada, fiquei lá, observando o sofrimento daquelas pessoas. Quando acabou o enterro, o pai me convidou para ir até a casa dele. A mãe só me olhava, com uma tristeza imensa, misturada a uma compreensão assustadora. Não tinha nada da resistência que eu esperava. Voltando à casa, o casal começou a contar o que tinha acontecido: que o lugar do piscinão era uma antiga fazenda, que antes tinha um laguinho onde as crianças do bairro brincavam, que começou a obra e nada foi cercado ou sinalizado, que a obra parecia abandonada. Então, o pai propôs: — A senhora pode ir até lá? Eu mostro que não tem segurança nem aviso. É bem pertinho. A gente vai a pé. Conforme andávamos, mais e mais pessoas se juntavam atrás de nós, muitas delas crianças. Era uma multidão de gente simples, vestida com shorts e chinelos. Era mesmo muito perto. Virando a primeira esquina já começava uma estrada de terra e podíamos ver uma mata, em seguida um descampado e o lago do piscinão. O pai se aproximou e me mostrou onde os meninos costumavam mergulhar, contou como os corpos tinham sido encontrados, me apresentou o rapaz que tentou salvá-los. Sempre abraçado ou de mãos dadas com a mulher. De repente, ele diz a ela: — Olha, bem, a camiseta dele ainda está aqui. Aquilo parecia um trapo. Estava lá, na beira da lagoa, molhada e suja de barro. Mas a mãe pegou como se fosse uma relíquia. Talvez porque ainda estivesse anestesiada pelo impacto da morte tão recente, lidou com aquilo como se fosse normal. Parecia um peça de roupa do filho que ela devia cuidar, lavar e passar para depois ele usar de novo. Nenhuma lágrima. Nenhum grito. Nenhum lamento. Mas muita dignidade. Me emocionei. Já era hora de ir embora. No carro, enquanto voltava para a redação com a minha história, só sentia uma coisa esquisita no coração, um amargo na boca e uma admiração enorme por aquelas pessoas tão simples, tão crédulas e, naquele momento, tão fortes.

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