quinta-feira, 30 de junho de 2011

04/07/2010 Um corte preciso

07/04/2010 um corte preciso Não era por ciúmes que ela fazia aquilo. E nem por despeito. Era por raiva, pela mais pura e legítima raiva. A tesoura parecia se mover sozinha na sua mão, e deslizava pelas peças de roupa dele, seu marido, pais de seus dois filhos, o menor deles com apenas um mês de vida. Beatriz sentia seus peitos, antes repletos de leite, agora duros de pedras. Não conseguia amamentar. Era a consequência da raiva, do estresse pelo desrespeito com que Anselmo a estava tratando e à sua família. O marido havia saído no final da tarde de sexta para “jogar uma bola” com os amigos. Tarde da noite, ele ainda não tinha voltado. O celular estava “fora de área”. Primeiro, ela se preocupou de verdade, achou que Anselmo tinha sido sequestrado. Procurou os pais dele e todos passaram à noite praticamente em claro. Só no sábado que conseguiram, enfim, um contato pelo celular do rapaz, perto da hora do almoço. Foi a sogra quem falou. — Menina, você sabe que ele é um homem casado e acabou de ter um filho?!! — dizia a matrona para a mulher que havia atendido o telefone com voz sonolenta. Chorando, a sogra nem quis contar à nora o que mais ouviu. Não precisava. Beatriz já havia entendido tudo. Só lhe restava ficar sozinha, cuidar das crianças e esperar o reaparecimento do marido no conforto do apartamento bem montado, de 200 metros quadrados, à beira mar. Mas, após a segunda noite de solidão, sentiu o impulso. Não podia ficar indiferente. E lá estava a tesoura, pronta para dar cortes precisos. Primeiro, foram camisetas, cortadas como se tivessem sofrido uma cirurgia no peito. Depois as camisas, que perderam as faixas das casas e dos botões, além das golas. Em seguida, vieram as gravatas, colocadas uma ao lado da outra, no chão do quarto, e partidas ao meio. As bermudas perderam o zíper, as cuecas, a frente. Dos calçados, a tesoura arrancou as línguas. Até as peças que estavam para lavar e passar foram devidamente retalhadas. Nem os chinelos sobraram. Beatriz só dava uma trégua para a tesoura para alimentar e cuidar dos filhos. — Para cada ligação não atendida que eu dava para o celular dele, eu cortava uma coisa — lembra Beatriz, com um certo prazer. Destruído todo o guarda-roupas do marido, Beatriz partiu para os cristais, todos legítimos, usados com orgulho por Anselmo para servir os amigos. As taças viraram cacos pelo chão da sala de jantar. Então, ela se lembrou da coleção de carros em miniatura, a maioria deles comprados em viagens ao exterior. — Era uns 20 carrinhos. O maior xodó dele. Lancei todos, um a um, contra a parede. Só então, no fim da tarde de domingo, Anselmo apareceu, com uma cara tranquila, de cabelo molhado e cheiro de perfume barato de mulher. — Por que tanta ligação para meu celular? — quis saber, com um cinismo. Preparada para uma guerra, ela se refugiou no quarto das crianças. Antes, trancou o próprio closet. Ele esbravejou. Quase derrubou a porta. Mas, aos pouco, acabou dormindo. No dia seguinte, Anselmo vestiu as roupas do porteiro e foi às compras. Voltou com sacolas e mais sacolas de roupas para ele, mas também algumas peças novas — e lindas — para ela. Beatriz não entendeu. — Mas o que é isso? — É que, de verdade, desta vez, eu realmente vacilei.

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