quinta-feira, 13 de outubro de 2011

De pantufas de leão

Gilberto bem que gostou daquela vida que acabara de descobrir.

Débora era diferente de toda mulher que havia conhecido. Ela era bonita, formada em administração, tinha um bom emprego, um carro e apartamento próprio, onde vivia sozinha com sua poodle Fifi. Mas, melhor do que tudo, ela era muito boa de cama e ainda não se importava em sair cedo para trabalhar, enquanto ele ficava em sua casa.

Gilberto aproveitava a solidão e dormia até mais tarde. Valorizava aquele tempo para pensar no que queria da vida. O rapaz de 23 anos estava numa fase pela qual muitos passam: tinha dúvidas quanto ao futuro, à profissão a seguir, a que curso fazer. Não conseguia decidir se deveria estudar perto de casa ou escolher uma faculdade em outro lugar. Já tinha prestado vestibular e iniciado a faculdade de direito. Por isso, morou seis meses no interior, em uma república. Mas percebeu que não tinha vocação para leis e pensou em fazer odontologia. Desistiu do curso de direito e voltou para casa.

Seus pais não estavam nada satisfeitos. Foi nessa fase de dúvidas que ele conheceu Débora. Na casa dos pais, sentia-se pressionado.

— Eles querem apressar a minha decisão — queixava-se aos amigos.

Por isso, quando seu caminho cruzou com o de Débora e ele percebeu que poderia passar muito tempo no apartamento dela, Gilberto vibrou. Ela, 15 anos mais velha, parecia não ligar para as dúvidas dele. Gostava de sua companhia, comprava tudo o que ele gostava de comer e ainda deixava livre o controle remoto da TV. Era a vida perfeita.

Mas Gilberto, de fato, não conseguia olhar além do próprio umbigo. Débora podia parecer liberal, até gostava, mas também buscava mais do que noites de bom sexo na sua cama. E as dúvidas existenciais do rapaz começaram a cansá-la.

— Tudo bem que ele tenha desistido do curso direito, mas quem quer fazer odonto precisa estudar. E eu nunca vi uma apostila sequer em casa. Aquilo começou a me irritar. Ele parece uma criança — desabafou.

Débora morava em um bom bairro na sua cidade. Seu apartamento era considerado de classe alta. Um dia, esqueceu um documento do escritório em casa e iria precisar dele para uma reunião. Então, lembrou que tinha deixado Gilberto dormindo e ligou para pedir um favor: que ele pegasse o papel e descesse em meia hora. Eram 11 horas.

— Quando cheguei, quase morri. Ele estava sentado no degrau do portão do meu prédio cheio de frescuras, com a bermuda do pijama, sem camisa, todo despenteado, segurando a Fifi pela coleira e, nos pés, usava as minhas pantufas de leão. Foi a gota d’água. Acabou. Pantufas de leão não dá!

Publicado na Diário DEZ! em 28 de setembro de 2008

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