segunda-feira, 3 de outubro de 2011

31/10/2010 - Ele é muito ingrato

ele é muito ingrato Parecia muito bom para ser verdade. Mas era. Cleonice, enfim, estava namorando.




Não era mais a mulher solitária, largada do marido com uma filha para criar. Nos últimos cinco anos, tinha visto sua auto-estima despencar e, depois, ser reconstruída mas muito lentamente. Após a separação, em seis meses, engordou dez quilos, sua pele ficou péssima, seu cabelo, sem brilho, e suas unhas viviam lascadas. Não que estivesse propositalmente desleixada. Mas uma tristeza tinha se abatido sobre ela. Chorava a qualquer hora e por qualquer coisa.


Sozinha, sem grana para se bancar, precisou voltar a morar com os pais. Por mais que o casal de velhos amasse a neta, não tinha paciência para as artes da pequena e a lista de proibições na casa só crescia. A liberdade que só se tem na própria casa, acabou.





No trabalho, a produtividade também caiu. Cleonice estava atrapalhada, esquecia tarefas, faltava muito, deixava migalhas por onde passava (porque sempre tinha um pacote de algo na mão para comer). Só se manteve no emprego porque tinha cinco anos de casa – e de crédito junto ao dono da empresa, que a conheceu nos bons tempos.


Depois de passado o impacto do divórcio, Cleonice se deu conta de quanto estava só. Não saia mais, os amigos tinham desistido de chamá-la. Só uma amiga era mais fiel:



– Cleonice, você tem que sair dessa fossa, se cuidar – sempre lhe aconselhava.

Então, quase dois anos depois da separção, teve, enfim, coragem de se olhar seriamente no espelho. E levou um susto. Decidiu que era hora de voltar ao que era antes, pelo menos fisicamente. Fez matrícula em uma academia, começou a fazer dieta, procurou um dermatologista, enfim, resolveu investir nela mesma. Também voltou a sair. Primeiro, com a amiga fiel, depois com os novos colegas da academia, e assim, foi retomando a vida.

Mas o problema da solidão persistia. Há quase três anos estava sem sexo e precisava urgentemente de um namorado, o que não era fácil de arrumar.

Começou a frequentar baladas, a beber mais e se soltar. Quem sabe, bêbada, não encontrava alguém? Com a razão embaçada, podia ser menos exigente e cair na gandaia com quem aparecesse. E não é que funcionou? Mas nada que, no dia seguinte, tenha a deixado feliz ou orgulhosa.

– A noite foi boa, mas nem trocamos telefone. E, pior, estou com uma baita dor de cabeça – foi o que disse na primeira vez. Mesmo assim, o sexo desse jeito rolou umas duas vezes. E isso em dois anos.


Até que conheceu Silvio num site daqueles que buscam seu par ideal. Viúvo, pai de dois meninos já crescidos, quase 50, morava só. Era perfeito. Marcaram um encontro, depois outro e mais outro. Enfim, começaram a namorar.


O apartamento de Silvio era bem mobiliado, não faltava nada. Os filhos não viviam lá, mas tinham total liberdade no lugar. Seis meses de namoro, Cleonice já se sentia no direito de dar palpites. Começou com um quadro da sala que cismou que devia ir para o lixo, depois implicou com as cortinas, e ainda com o quanto os filhos dele comiam. Mas deixou ele roxo quando perguntou, assim como quem não quer nada, se não seria bom ela ir morar com ele. Silvio a mandou embora. Disse que não poderia resolver em seis meses as carências que ela tinha acumulado em cinco anos. Ela ficou surpresa. E até hoje diz que ele é muito, mas muito ingrato.

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