terça-feira, 4 de outubro de 2011

21/11/2010 - Balas todos os dias

Ela saiu cedinho de uma casa para ir para a escola e, no final da tarde, quando a mãe foi buscá-la, já a levou direto para outro lugar. Julinha ficou surpresa. Ela não sabia que ia mudar. A mãe, a avó e a tia fizeram tudo às escondidas. A mãe, com medo da reação da menina, montou um quarto novo para elas, todo cor-de-rosa, para compensar a mudança brusca. Mas a menina não entendeu nada. Ficou confusa. O quarto lindo não compesaria o mal feito.




Também pudera: Julinha tinha 8 anos quando isso aconteceu. Sem ser preparada ou mesmo avisada, ela foi tirada de uma casa térrea, com quintal e jardim, num bairro central da cidade, e levada para um apartamento apertado de um conjunto habitacional popular, bem mais modesto.





Mas o tamanho não era exatamente o problema. A casa onde morava com a família e o padastro ficava em uma rua tranquila, com várias crianças vizinhas, menininhas como ela, que se reuniam sempre para brincar. Julinha não poderia mais brincar com as suas amigas. E nem teve tempo de dizer tchau, dar o novo endereço ou algo assim. Então, a solidão foi o primeiro problema, mas viriam vários outros.





Logo na primeira noite no apartamento, nem ela e nem as mulheres conseguiram dormir. Do lado de fora do prédio, que era vizinho de uma favela, ponto de tráfico conhecido do bairro, elas ouviam cirenes de carros de polícia, gritaria e tiroteio. Ficaram apavoradas. Onde moravam antes era muito mais tranquilo. Mas não tinha mais como voltar atrás ou procurar outro lugar para morar. O aluguel de lá foi pago adiantado, três meses.





No dia seguinte, a menina precisou sair de casa ainda mais cedo para ir para a escola (já que apartamento era mais longe). Não dava mais para ir a pé. Ela e a tia precisavam se espremer no ônibus até a escola. Ela odiou a novidade.





Ao longo do dia, Julinha sentiu dores de estômago e teve febre quando chegou a hora de ir embora. Não queria voltar para o apartamento. Queria ir para a casa “velha”.





Nos dias que se seguiram, seu desempenho na escola despencou. Um mês depois, a escola pediu para a mãe encaminhá-la para uma psicóloga.







O que lhe explicaram é que tinham mudado porque não gostavam mais do padastro. Julinha também não gostava de Roberto. Ele era quieto, pouco divertido e sempre chamava a sua atenção quando fazia algo errado. Mas ele era o homem que ela conhecia como sendo seu padrasto no último ano. E era o relacionamento mais estável que a sua mãe tinha tido desde que se entendia por gente. Antes dele, havia um homem diferente na casa a cada mês. E a menina não gostava nada daquilo.





Um dia após a mudança, a mãe lhe apresentou quem ela logo percebeu quem poderia ser seu novo “padrasto”:





– Filha, esse é o Agenor, um amigo. Ele vai precisar dormir aqui hoje – disse Leonor.





A mãe não precisou dizer mais nada. Julinha entendeu o que devia fazer só de olhá-la. E, então, como numa cena já ensaiada, fez o pedido, sabendo que era exatamente o que a mãe queria que ela fizesse.





– Mãe, hoje eu posso dormir no quarto da vovó?





Julinha está cada vez mais triste. Às vezes chora e diz que é saudades. Mas não se atreve a pedir para voltar para a velha casa. Outro dia, disse à avó.





– Minha mãe bem que podia casar logo com o Agenor. Ele, pelo menos, me traz balas todos os dias.

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