segunda-feira, 3 de outubro de 2011

10/10/2010 - Um mundo perfeito

um mundo perfeito Muita gente invejava Isadora. Ela sim, diziam, tinha uma vida perfeita. Apartamento próprio e bem montado na Vila Mariana, carro do ano, marido com bom emprego, filha linda, férias todos os anos. Ela mesma tinha uma empresa de consultoria de mercado imobiliário e sempre fechava ótimos negócios. Ganhava um bom dinheiro.




Mas, mais do que o sucesso de Isadora, quem a conhecia invejava a capacidade que ela tinha para organizar a própria vida. Seus amigos diziam que ela era uma pessoa que fazia tudo como planejou e no tempo que planejou. E, mais incrível, garantiam que tudo saia como ela queria.





Reclamavam, porém, que a moça era muito hermética e raramente estava disponível. Para alguém visitá-la, por exemplo, era preciso marcar com muita antecedência. Ela era capaz de não permitir que um amigo subisse ao seu apartamento se não tivesse lhe telefonado antes para combinar.





Em compensação, quem conseguia marcar uma ida a sua casa era recebido com toda a pompa. Podia ser almoço, jantar ou um singelo chá durante a tarde, Isadora sempre colocava a mesa com capricho – toalhas impecáveis, quitutes e bebidas de primeira. Mas tinha hora para chegar e para sair. A mulher era sistemática.





O que não sabiam os amigos é que Isadora tinha o hábito de se afastar do que não se encaixava no seu projeto de vida. Até o que pertencia ao seu passado e a desagradava, tentava ignorar. Ela não tinha tido uma infância difícil, mas por algum motivo, que nunca revelou, não se relacionava com seus pais. Eles não frequentavam sua casa. E ela, que era filha única, raramente ia à casa deles, apesar de religiosamente mandar dinheiro para os dois. A família, é lógico, criticava:





– Ela é fria. Nem a nossa neta traz aqui – reclamava sua mãe. – Parece que tem vergonha da gente – completava.





E Isadora tinha. O casal de idosos eram muito humilde para a vida que tinha proposto para ela. O lugar onde moravam – e onde ela cresceu, em Sapopemba, – seus modos ríspidos e pouco estudo não combinavam com o mundo que ela buscava. Então, os mantinha afastados e se irritava quando eles protestavam.





– Não falta nada para eles! – dizia, a quem lhe perguntava sobre os dois.





Mas a vida sempre pode fazer os planos perfeitos da gente se desmanchar. E foi o que ocorreu. Com 14 anos, Gabriela, filha de Isadora teve um tipo raro de leucemia e caiu de cama. Ela precisava de um transplante de medula. Mas o dinheiro de Isadora e o marido não comprava a cura – uma medula compatível, cuja a chance de encontrar fora da família era de uma para um milhão.





Foi só então que Isadora buscou os parentes. Todos fizeram o teste e ninguém era compatível. Mas seu pai, Juarez, teve uma ideia. Bem relacionado no bairro, passou a bater na porta dos conhecidos explicando o caso e pedindo para que fizessem o teste. A cada família, ele pedia mais indicações. Vários aceitaram. Foi um trabalho que durou meses, mas Juarez era incansável. Até que encontrou Jorginho. Filho de um varredor de rua, o garoto semianalfabeto tinha acabado de sair da Febem e aceitou fazer o teste mais por curiosidade do que por solidariedade. E ele era compatível.





Gabriela sobreviveu e hoje Jorginho e ela são grandes amigos. Isadora nunca mais se afastou dos pais. E ela nem lembra mais que um dia quis ter uma “vida perfeita”.

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