terça-feira, 4 de outubro de 2011

28/11/2010 - Fora da linha reta

O carro que ia logo à nossa frente, na Bandeirantes, não conseguia seguir reto, em uma única faixa. Eu e minhas amigas rezávamos. Era tudo o que a gente podia fazer. Nele, seguiam Airton, Marília e a filha dela, de apenas 3 anos. Airton estava completamente bêbado. E, na sua teimosia, não quis entregar o volante para Marília.



Era noite de domingo. Nós tínhamos ido até Valinhos para a festa de aniversário de uma colega da faculdade. Airton e Marília namoravam há seis meses. Ainda estavam na fase de “só beijos e abraços”. Naquele dia, entraram na fase de “brigas intermináveis”. Mesmo assim, o relacionamento deles durou três anos.


Marília era a mulher mais linda da faculdade. Airton era o mais inteligente. Era aquele casal que combinava em tudo. Ela tinha saído de um casamento atribulado, com um marido violento. Ele lhe deu apoio na etapa pós-separação e depois também, quando resolveram morar juntos. Mas Airton não podia beber. E só descobriu isso durante o relacionamento com ela.


Começou com as bebidas no happy hour. Ele passou a chegar em casa carregado por amigos, deitava no sofá e dormia. Depois, vieram os problemas no trabalho. A empresa o aconselhou a buscar ajuda e se ofereceu para bancar uma internação. Ele ficou limpo, mas, seis meses depois, voltou a beber. Até que xingou o chefe e perdeu o emprego.


Uma vez, a polícia ligou para Marília. Airton havia sido encontrado caído numa calçada. Ele voltou para a internação. Uma vaquinha entre amigos pagou o tratamento desta vez. Limpo de novo, voltou a trabalhar, mas em Campinas. Queria distância dos amigos bebuns. Ela topou a mudança para o bem dele. Até que um dia Airton apareceu em casa alterado de novo. Ela brigou e ele lhe deu um tapa na cara. Foi a gota d’água. Marília pegou a filha e foram embora. Ele nunca conseguiu o seu perdão.


A última vez que vi Airton foi em Paranapiacaba. A charmosa vila inglesa construída no meio da Serra do Mar no final do século 19 promove um festival de inverno nos meses de julho. Estávamos em uma casa de chá. Era uma tarde bem típica: fazia frio e uma garoa fina caia por tudo.


Logo percebi que Airton estava meio “alto”. Fazia uns cinco anos que não o via, desde a separação. Airton me abraçou com uma empolgação que só os bêbados têm. Mas ele era um alcoólatra contido. Depois da festa inicial, nos sentamos e começamos a conversar. Eu estava com o meu namorado e estranhei quando vi que meu amigo estava só. A vila é ótima para curtir a dois e perguntei:

– Por que alguém sai de Campinas, atravessa São Paulo e vem sozinho, sem carro, para Paranapiacaba?


– É que eu gosto daqui – e pediu para ficar conosco.


Ele era adorável. Meu namorado logo se encantou com sua simpatia e inteligência. Depois de acabar com o bule de chá, resolvemos passear pela vila. Mas Airton sugeriu:


– Antes vamos pedir um conhaque para esquentar?


Ele tomou duas doses em seguida. Saímos para andar. Eu queria ver os shows, entrar nas lojas, comprar artesanato, enfim, curtir o lugar. Mas a cada quadra Airton parava para entrar em um bar.


Muitas paradas depois, ele me puxou de lado e disse, com lágrimas nos olhos e língua já enrolando:


– Vou te falar por que eu vim aqui. É que achava que ia ver a Marília. A gente sempre vinha nesse festival. E ela adorava.

Nenhum comentário: