sexta-feira, 3 de julho de 2009

5 de julho de 2009





05/07/2009 o perdão do dicionário — Então, agora, você tem um amante? — a pergunta de Renata caiu como uma bomba na consciência de Edite. Não suportava a palavra “amante”. Desde muito jovem, relacionava o termo a algo sujo, à quebra total de confiança. Menina, ouvia como sua mãe e tias falavam mal das mulheres que tinham amantes. Mais velha, virou leitora de Nelson Rodrigues e interpretava que o autor tratava seus personagens — mulheres e homens que tinham amantes — com escárnio e desprezo. Para piorar, amantes vinham sempre junto da palavra “corno”, outro termo que lhe virava o estômago só de pensar. Para Edite, Nelson Rodrigues traduzia em suas crônicas o que pensavam a sociedade e a sua família, e ela sentia vergonha só de imaginar o que seria viver aquilo. Até aceitava as “escorregadas” de suas amigas, mas, lá no fundo, sentia um certo prazer em se saber “superior” a elas. Dizia: — Eu não corro nenhum risco de cometer este deslize. Até que, um dia, após dez anos de casada com Adolfo, se apaixonou por outro homem. Foi tão rápido e imprevisível que ela não teve como se proteger. Edite conheceu Vinícius na loja de roupas onde trabalhava. O rapaz, três anos mais velho do que ela, era insinuante. Separado, ele passou a frequentar a loja diariamente. Sua primeira reação foi pensar que aquilo era só uma boa amizade, mas se assustou quando percebeu que, ao vê-lo, seu corpo queimava com um tipo de desejo que nunca havia sentido antes por ninguém, nem por Adolfo, no início do namoro. E, quando se deu conta, já estava sonhando com os beijos e abraços do rapaz. Começou a ter noites de insônia, acessos de choro, agonias “inexplicáveis”. Numa tarde, aproveitou uma folga no trabalho e aceitou tomar um café com Vinícius. Da lanchonete, foi conhecer o apartamento do rapaz. E lá simplesmente esqueceu tudo o que já tinha dito e pregado sobre infidelidade. E estava feliz como nunca. Tão feliz que, como uma adolescente que ama pela primeira vez, fez questão de contar para as amigas o que tinha acontecido. E daí veio a pergunta que a fez cair das nuvens: — Então, agora você tem um amante? Edite simplesmente pirou. Sua primeira reação foi negar. E criar uma outra definição para o tipo de relacionamento que estava iniciando. — Não, não, ele não é meu amante... — respondeu, toda atrapalhada e envergonhada. Em casa, correu a um dicionário pela primeira vez na vida, e foi procurar o significado da palavra “amante”. Deveria ter algo lá que amenizasse o tom sujo do termo, que desmentisse Nelson Rodrigues. E, no primeiro verbete, ela se sentiu aliviada: “Pessoa que ama; namorado; apaixonado”. Decidiu ignorar o verbete seguinte, que dizia: “Pessoa que tem com outra relações extramatrimoniais”. Os encontros com Vinícius continuaram, cada vez mais frequentes. Mas ela não sentia que traía o marido. Muito pelo contrário: quando estava com o Adolfo, sentia que traía Vinícius. Sua consciência com o amante estava sempre tranquila. Quando começava a duvidar disso, abria o dicionário e lia só o primeiro verbete.

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