domingo, 19 de abril de 2009

O estabelecimento de Gil

Publicado em 17 de fevereiro de 2008

Gilvaneide tinha um estabelecimento. Decidiu montá-lo em Piriquara, interior de Pernambuco, quando voltou de São Paulo. Seu estabelecimento virou um drama familiar. “Que horror o que Gil faz”, afirmam suas tias. “Não sei por que esse Carnaval. Ganho dinheiro honesto e ainda emprego um primo e uma sobrinha”, diz a moça. O primo é o segurança. A garota serve as mesas.


Acontece que o estabelecimento é um puteiro disfarçado de lanchonete, com quartos na parte de cima. “Elas só me pagam o aluguel”, explica Gil, pra então acrescentar que as meninas também têm que pedir bastante bebida e porções para os clientes pagarem a conta. “Na bebida delas ponho refrigerante. É o meu lucro”, confessa.


Não há amigo ou parente que vá a Piriquara que não queira dar uma passada no estabelecimento. As respectivas mulheres juram vingança.


Quando moça, Gil já tinha fama de doida. Teve problemas, mas alcançou uma vida normal. Dizem que uma tragédia pessoal “virou a sua cabeça”. Mesmo assim, não a perdoam.


Aos 17, Gil saiu de ônibus escondida de Piriquara e desembarcou no Recife. Como seu sonho era mesmo conhecer São Paulo, fez uns bicos de faxineira, comprou uma blusa de lã e um guarda-chuva e baixou na Terra da Garoa. Sem demora arrumou um emprego de doméstica, com carteira assinada e moradia garantida. Aí, conheceu um rapaz, pegou barriga, perdeu o emprego e foi morar com ele. Estava com 21. Nasceu Renato. E o rapaz, após ver o bebê, desapareceu. Sem emprego nem casa, Gil entrou para o movimento sem-teto, invadiu um terreno na Zona Leste e acabou ajudando a construir um novo bairro na periferia. Viveu assim durante anos, sozinha com o filho, mas feliz por ter conseguido sobreviver.


Um dia, Renato, que quase nunca saía de casa, brincava na calçada. Um carro entrou na rua em alta velocidade, perseguido pela polícia. O motorista, um ladrão, perdeu o controle e atropelou o menino, que tinha 10 anos e morreu na hora. Quando olhou para o bandido, Gil reconheceu o pai do garoto. E enlouqueceu. Passou a se esconder nos armários. Depois, ficava acordada até tarde esperando o menino voltar. Foram anos de tristeza, até que decidiu voltar para Piriquara.


— E o que vai fazer lá, Gil? — eu quis saber.


— Vou montar um puteiro, ora.


— Mas justo um puteiro, mulher?


— É que esse é o melhor jeito que arrumei para me vingar de Deus.
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