sexta-feira, 3 de julho de 2009

Em primeiro plano

Publicado em 24 de fevereiro de 2008

O dedo desliza lentamente e então Cássia pode senti-la úmida e quente. “Por que não?”, ela pensa. “Se a minha opção imediata é pela solidão, eu devo me acostumar a tocá-la com mais freqüência. E no sexo solitário pode haver mais prazer do que no sexo sem amor”.

À mente de Cássia vêm lembranças de toques sutis, palavras doces, situações que a emocionaram. “Isso basta?”, ela volta a se perguntar. E já responde: “Se no momento é o melhor que eu posso fazer por mim, sim, basta”.

A emoção é um sentimento cruel. Nos abraça, nos chacoalha, nos vira do avesso por dentro, transtorna nosso pensamento. Mas é um tipo de dor que não queremos deixar de sentir. Quando não há mais a emoção, a vida perde o sentido.

Cássia decidiu interromper o seu caminho longo e sem emoção. E isso lhe pareceu assustador. Mas o medo foi maior no começo, há alguns anos, quando ela voltou a sentir. Na época, percebeu que existia algo estranho e diferente dentro do seu peito, motivado pela vida fora de sua casa. Ao seu lado, o que tinha era o hábito do convívio na sua família e só. Nada de troca. Nenhum interesse. Nem curiosidade. Só afeto respeitoso e a construção de uma imagem equivocada. E Cássia se envergonhou quando se deu conta de tudo isso. O cotidiano fácil, seguro, cheio de certezas lhe pregou uma peça, a envolveu ao longo da vida e, quando ela se deu conta, o sentir tinha ficado em segundo plano.

— Em que porcaria de mulher moderna eu estava me transformando! — ela me disse um dia, num tipo de desabafo.

Mas, se o movimento foi doloroso, para Cássia, ele também foi necessário. Ela estava tão certa da sua opção que passou a ter orgulho dela mesma. A decisão de se separar, de procurar outra casa para morar, foi muito bem pensada.

O caminho foi cheio de altos e baixos, descobertas e decepções, tentativas de recomeços, reencontros e afastamentos. Cássia levou anos para se decidir, sempre dando sinais para o seu marido, pedindo socorro, lançando avisos. Mas ele não percebeu.

— É engraçado como nada acontece da noite para o dia — continuou a me contar. — Achei que nunca chegaria a isso, ao rompimento, mas o limite se deu e não há agora uma segunda via. Também não há como voltar atrás. No meu caso, não há culpados, nem responsáveis. Só existe uma pessoa, eu, pensando, querendo, desejando e decidindo o que é melhor pra mim. E sou capaz de chorar de contentamento ao perceber que, pela primeira vez, vou de fato colocar a minha vida nas minhas mãos. Mesmo que para isso o sexo tenha que ser solitário por algum tempo.

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