terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Paixão apaziguada


Lúcia sabia que estava estranha nos últimos dias. O sentimento parecia não ser mais o mesmo.

Quando conheceu Francisco, de imediato soube que aquilo era mais do que uma paixão. Ele não era bonito, não tinha dinheiro, um trabalho fixo ou um futuro promissor. Mas era o timbre da sua voz, o jeito como se deslocava pelo espaço e olhava para o mundo que a encantavam. Não teve dúvidas.

Francisco também não vacilou. Ela não era delicada, não tinha um corpo escultural, nem os olhos azuis que ele sempre desejou encontrar. Mas, quando estava presente, sua energia o iluminava. Seus olhos eram tão negros que ele se viu refletido neles e, acreditou, não poderia mais deixar de fitá-los. Nunca mais se interessou por olhos claros.

Tiveram primeiro um caso, depois um namoro, até que foram viver juntos. Tinham a ilusão de ter uma relação tão incomum que nunca se permitiram chamar um ao outro de marido e mulher. Se diziam namorados e eternamente apaixonados. O frio na barriga, o tremor nas pernas, o palpitar no coração que marcam o início da paixão eram sinais importantes para o casal. Mesmo com um filho, queriam sempre ter essas sensações dos namorados. E por muito tempo conseguiram.

No 12 de junho, a escolha do presente nunca era motivo de dúvida. Por intuição, entendiam o que deveriam dar ao outro. Podia não ser algo útil, mas sempre era um símbolo que expressava o afeto que sentiam e o valor que davam àquela convivência. Por isso, Lúcia se assustou quando sua intuição começou a não lhe dizer mais no ouvido qual era o presente ideal.

Na primeira vez, tentou não dar muita importância ao fato. Comprou naquele ano um cinto e um par de meias. Francisco até gostou, mas no fundo não entendeu. Depois, nem pensou muito no seu estranhamento e logo o esqueceu.

No ano seguinte, o mesmo incômodo no 12 de junho. E ela percebeu que seu coração não batia mais forte por Francisco. Ela não tinha mais calafrios. O charme que a fazia suspirar era agora um velho conhecido. A paixão estava apaziguada. E se questionou: “Viramos um casal comum? Nada mais nos vai emocionar?”

Caiu em depressão. Seria aquele o início do fim do eterno namoro? Para Francisco, porém, nada tinha mudado. Ou melhor: nada que tinha mudado significava o fim do sentimento, como Lúcia pensava. É que seu olhar sobre as questões do coração não era tão romântico como o dela. Ele só via vantagens no coração sem palpitações.

“O amor está mais maduro, mais calmo. Não é um defeito. Mas sim um efeito desse nosso eterno namorar”, ele lhe disse. A explicação a convenceu. E, aos poucos, ela se acostumou com o que chamou de “novo jeito de amar”. Às vezes a sabedoria masculina surpreende.

Publicado em 8 de junho de 2008 na Diário DEZ


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