domingo, 2 de janeiro de 2011

15/02/2009 parados no trânsito

15/02/2009 parados no trânsito Álvares tinha certeza: seu celular tocaria no próximo minuto. Parado no trânsito naquele início de tarde chuvosa, vidros do carro fechados, ele se contorceu todo até conseguir tirar o aparelho do bolso da calça e colocá-lo no console, lugar mais fácil para atender assim que Elisa ligasse. E era certo que ela ligaria. Afinal, Elisa se impressionava com coincidências e aquela, de novo, era impressionante: no meio do congestionamento, a quilômetros de suas casas, debaixo de uma chuva fina e insistente, lá estavam eles, com os carros lado a lado. O natural em Elisa era chamar a atenção dele para isso. Devia, portanto, ligar para perguntar o que ele fazia por ali. Aquele, afinal, não era um caminho que Álvares costumava fazer. Mas era, sim, o trajeto habitual de Elisa. Desta vez, porém, Álvares esperou. E seu celular não tocou. Ao vê-la no trânsito, Álvares, sempre equilibrado, começou a tremer sem parar. Seu primeiro impulso também seria o de chamar atenção, buzinar, abrir o vidro embaçado e gritar: “Ei, oi, que coincidência, hein?”. Mas se conteve ao pensar em tudo o que tinha acontecido em “outros cruzamentos”, ao longo dos últimos anos. E, assim que o farol abriu, reduziu a velocidade de propósito, deixando que ela o ultrapassasse pela direita. “É melhor assim. E, se não ligou, é porque nem me viu”, concluiu, meio frustrado. Mas Elisa o havia visto. Estava distraída, parada no farol e, quando olhou para a esquerda, o percebeu. E estremeceu. Rapidamente voltou os olhos para a frente. Afinal, como reagir àquilo? Como resistir à saudade e à vontade de sair do carro para abraçá-lo e beijá-lo, dizendo: “Olha, não é possível que seja só uma coincidência. Será que você não percebe que isso é um sinal, um bom sinal?” Não foi o que ela fez. Não seria possível esquecer das brigas, dos desencontros e seguir só o que o coração pedia, sem a intromissão da razão, tão tirana? Intimamente, Elisa começou a brigar com Deus, como se aquilo tudo fosse uma prova cármica: “Por que está fazendo isso comigo? Por que colocá-lo no meu caminho, se ele não está mais nem aí comigo? Por que me expor tanto?”, questionou, raivosa. Mirou com desprezo o celular. Não ligaria. Afinal, o que diria? E se ele fosse frio, como ela se sentiria? Elisa ficou longos minutos assim, num intenso debate íntimo, morrendo de medo de olhar para o lado e ser “descoberta”. Se sentia aliviada por ter filmado o vidro do carro. “Acho que ele não me vê”, pensou, torcendo. Quando o farol abriu, os dois seguiram juntos, na mesma direção. Então, na primeira oportunidade que teve, Elisa acelerou e tomou a frente, o deixando para trás. Mas não resistiu e, assim que o ultrapassou, reduziu para seguí-lo com olhar, pelo retrovisor esquerdo, até vê-lo desaparecer por completo no meio do trânsito caótico.

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