domingo, 19 de abril de 2009

Mulher Maravilha


Publicada em 13 de janeiro de 2008


O vidro explodiu de novo no seu ouvido. “Droga!”, gritou Ana. Pela quarta vez no ano, os moleques de rua, bandidos, estouravam o vidro do seu carro, no farol, e levavam sua bolsa.

Ela não se surpreendeu. Na verdade, ela ficou com uma raiva enorme, muita raiva, e fez o retorno com o carro enquanto tentava lembrar o que havia perdido desta vez: “Não foi grande coisa: um óculos de sol, carteira de motorista, documentos do carro e, ai!, aquela blusa de lã preta novinha em folha! Os óculos de sol tinham grau, custaram uma grana alta! Que ódio!”.

E, enquanto vasculhava a sua memória e, ao mesmo tempo, procurava encontrar a delegacia de polícia mais próxima, viu um dos meninos de longe, correndo com sua bolsa na mão. Pensou em voltar o carro para surpreendê-lo. Mas conteve o impulso. Não valia a pena.

Tentou respirar fundo e se acalmar, mas foi aí que olhou pra sua mão. Estava sangrando. “Quatro assaltos e pela primeira vez eu me machuco”. E chorou. Chorou de nervoso e de medo.

Na delegacia, pediu para parar na vaga com uma placa que avisa “reservado para autoridades”. E o policial deixou. Saiu do carro e, mesmo com o vidro quebrado, ligou o alarme. “Ligar o alarme pra quê, moça?”, quis saber o guarda. Ela sorriu amarelo e só respondeu: “Foi automático”. Se sentou na sala de espera e se preparou para o inevitável chá de cadeira que iria passar noite adentro.

Foi só então que ligou para o marido, em casa:

— Oi. Estouraram o vidro de novo no farol e estou na delegacia.

— Pô, de novo? Você tá bem?

— Me cortei um pouco, estou sangrando, mas estou bem! — disse, sem tentar esconder o choro.

E, então, do outro lado da linha, veio a reação inesperada: “Ah! Então, vê se resolve tudo rapidão aí e vem pra casa, tá? Tô te esperando”. Simples assim, como se ela estivesse fazendo compras no shopping.

Ana teve um ataque de pânico. Pânico mesmo. Afinal, o que ele achava que ela era? Tão forte, tão independente, tão eficiente que era capaz de resolver tudo, tudo rápido. A mulher maravilha.

“Como rápido? Você tá louco? Eu estou numa delegacia, pô! São 10 da noite! Tá chovendo! E isso é um plantão!”. E disse isso com um nó na garganta, sufocando a voz gritada. Teve vergonha.

“Ah, tá! Desculpa. Não quis dizer isto”, ele respondeu do outro lado.

Mas disse. E desculpou-se assim, já completamente sem paciência. Nem menção de ampará-la. Nem menção de socorrê-la.

— Tchau, então! — Ana disse.

Ato falho. Freud explica.

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