domingo, 19 de abril de 2009

Sem Melar a Voz

Publicado em 10 de fevereiro de 2008




José não entendia Magali. Ele até percebia que ela era uma mulher incomum, que não podia tratá-la como outra qualquer, mas insistia em colocá-la na mesma categoria de várias de suas amigas e ex-namoradas. Na verdade, ele tinha medo dela. Porque sua intensidade era mesmo assustadora.


Magali era engraçada. Não falava muito, mas tinha convicções avançadas para o seu meio. Adorava prestar atenção às reações sutis que as pessoas tinham com os fatos do cotidiano. “É aí que elas mostram o que de verdade são”, dizia.


Lembro, por exemplo, do horror que demonstrava por mulheres que melavam a voz quando se dirigiam ao namorado em público. Dizia que faziam isso só para marcar presença, mostrar para as outras fêmeas que aquele macho tinha dona.


— Que implicância! Isso é tão comum! — eu lhe dizia.


— Mas repara como é ridículo ver uma menina chegar pro namorado no meio da roda de um bar e falar assim, com aquela voz chorosa, batendo de leve a mão na cadeira do lado: “Ah, amor, senta aqui...”. Constrange qualquer um. Dou toda a razão quando o cara ignora — ela respondia.


É lógico que Magali gostava de rompantes românticos. Adorava o amor privado, as juras secretas, os jogos de sedução, o cuidado sutil que, defendia, um sempre devia ter com o outro. Só não gostava das demonstrações públicas exageradas.


— O compromisso tem que ser leve, não pode paralisar nenhum dos dois — pregava, sem vergonha de ser piegas.


Quando estava no meio de um grupo, queria estar solta, misturada à multidão, livre para mexer com quem quisesse e também para receber elogios, agrados, olhares. O problema é que os homens que conheceu, até os que se diziam muito liberais, sempre acabavam em crises de posse.


— Por que, entre casais, um sempre tem que querer sufocar o outro? — questionava.


Um dia, brigou com um namorado porque, em uma churrascada, foi abraçá-la e beijá-la, perguntando por que o estava ignorando. “Parecia que eu era um troféu!”


Sonhava com um amor aberto e tranqüilo. Alguém em quem pudesse confiar, que também confiasse nela e pronto. O tempo de se ver seria o tempo possível, porque os dois saberiam que não havia motivos para preocupações sem fundamentos. Queria ser, sim, paparicada e paparicar, mas não admitia depender de nenhum homem e não queria que ele dependesse dela para viver.


Coitado de José! Acostumado com garotas que se esforçavam para parecer avançadas, Magali o assustou. Tanta liberdade era demais. E o romance dos dois, sem nenhuma explicação, acabou.

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