domingo, 19 de abril de 2009

Algo Que Mudou

Publicada em 20 de janeiro de 2008

Juliana cresceu ouvindo a mãe gritar:

— Eu quero sumir!!

Criança, sofria e chorava com o desabafo materno, com a raiva colocada naquela voz e com o sentimento de culpa por imaginar ser o motivo daquele estranho desejo. “O que fiz de tão errado?”, Juliana se perguntava.

Menina-moça, Juliana foi aprendendo a lidar com aquilo. Os brados maternos continuavam cada vez mais freqüentes, mas ela passou a considerá-los uma frescura, um jogo de cena, a histeria de uma mulher na menopausa que como uma criança mimada queria atenção. Para a adolescente, a mãe era fraca, fria, covarde, não se resolvia.

Juliana cresceu magoada, jurando que não seria o espelho de sua mãe, que não faria com seus filhos o que a mãe fez a ela.

Hoje, já adulta, Juliana não grita. Mas entende perfeitamente o que era o desejo da mãe. O berro de Juliana está parado na garganta, em vários dias, de várias semanas, durante vários anos. E ela não se permitirá gritar.
— Não era o desejo real de sumir do mundo, não era o de sumir da visão dos outros. Na verdade, minha mãe queria sumir era dela mesma. Sei disso só hoje, porque é assim que também me sinto — me diz, em tom de segredo. — É uma vontade de não estar aqui, de não ver, não escutar, não perceber, não ter intuição sobre nada. Não é nem o desejo de morrer. É o desejo de não ser. De simplesmente nunca ter sido — completa ela, em plena crise de depressão.

— Mas, querida, de si mesmo ninguém foge — respondo, numa tentativa de arrancá-la de tanta melancolia.

Para mim, escutar tudo isso da boca de minha amiga é muito estranho. Parece até contraditório, porque Juliana é alegre. Ou pelo menos era. Na turma da faculdade, era a mais “pé no chão”, sempre feliz ao estar com as pessoas, seus amigos, seus parentes. Adorava a própria vida e costumava dizer: “A vida é próspera e tem me dado tudo”.

Mas a dor que a atinge neste momento se compara à da perda de alguém querido. A dor da morte por algo que simplesmente deixou de ser, que não tem mais volta, que não tem mais conserto, que ela não quer mais, mas que não queria que acabasse.

O fato é que, na maturidade, Juliana mudou.

O chão a partir do qual construiu a sua vida começou a se mover. Seus valores, ela percebe agora, não são sólidos. E ela não sabe o que virá, tem medo do que desconhece mas não consegue voltar ao rumo anterior. “O que vou colocar no lugar do que se foi?”, se pergunta.

Como a mãe, ela descobriu algo obscuro no seu coração e com isso terá de viver. E sem gritar.

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