domingo, 25 de julho de 2010

01/02/2009 a promessa do Exu

Uma gargalhada vigorosa tomou conta do terreiro. Selma já nem se lembrava mais, mas Seu Zé Caveira tinha a memória boa. Logo que a viu, ele soltou a risada e emendou a pergunta: — E, aí? Tá satisfeita? Selma quase morreu de vergonha. Seu Zé perguntava na frente de todo mundo, ou seja, de todos os outros filhos de santo que estavam lá. Dezenas de olhares curiosos acompanhados de sorrisos maliciosos se viraram para ela, que corou como uma adolescente pega em uma mentira: — Não, Seu Zé, eu não pedi nada. O senhor sabe. — Não pediu, mas queria e eu dei. E caprichei, né? — ele dizia, enquanto a cutucava com o cotovelo, se divertindo com a falta de jeito de Selma. — Estou gostando sim, Seu Zé, estou — respondeu, concluindo que seria a única forma de fazer aquele Exu calar a boca. O motivo da conversa tinha começado uns seis meses antes. Selma frequentava o terreiro de umbanda do bairro onde morava desde menina. Sempre gostou de se aconselhar com o Preto Velho, de levar doces para as crianças e se divertia com o barulho que o Caboclo fazia quando chegava. Participava com prazer das giras, cumpria sem falta os rituais para Oxum, seu orixá, e sempre mantinha acesa a vela para o seu anjo da guarda. Só não gostava mesmo era da virada de esquerda, que tinha que ser realizada de tempos em tempos. Naquela noite de virada, Selma só foi porque era uma obrigação religiosa. Ela havia brigado com o namorado — tinham acabado pela quinta vez — e chegou cabisbaixa ao terreiro. Seria ótimo abrir o coração, mas não gostava do Exu e não queria falar do seu problema com ele. Mas não teve jeito. Ele puxou a conversa: —Tá assim por quê? Brigou com o macho, é? Ele não presta, e você é uma quenga porque quer ficar com ele — disse o Exu para ela, sem meias palavras. — Não é nada, Seu Zé. Eu só estou meio triste — respondeu, tentando encerrar ali a conversa. Foi então que ele soltou a promessa: — Eu sei o que te falta. Mas, pode deixar, vou arrumar um homem pra você. Deixa comigo! Selma nem deu bola. Meses depois, conheceu Ramiro e os dois começaram um namoro sem muito compromisso. Quando teve que ir a outra virada de esquerda, nem se lembrava mais da promessa do Exu: — E, aí? Tá satisfeita? Eu não disse que ia te arrumar um homem? E esse aí é dos bons, hein? Eu garanto — disse o Exu, com uma gargalhada sonora. Se conheceu Ramiro graças ao Exu, Selma não tem certeza. Mas o fato é que eles se casaram, tiveram três filhos e estão juntos há 15 anos. As crianças já eram grandes quando decidiu contar ao marido a história do Exu. Tinha medo da reação dele. Mas, quando soube, Ramiro deu uma bela gargalhada, bem parecida com aquela que o Exu soltava no terreiro.

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