domingo, 25 de julho de 2010

04/01/2009 um presente da vida

Tinha pouco menos de 30 quando deixou a tranquilidade do interior, carregando consigo toda a família. Atitude corajosa para uma época em que mulheres não tomavam decisões. Anunciou a notícia à irmã mais velha e solteira, que tinha lá seus 40. Eram as duas, o pai senil e três irmãos adolescentes — duas moças e um rapaz. Os demais parentes — irmãos casados, tios e primos — nem foram consultados. Quando souberam, ficaram surpresos, até tentaram mudar o seu projeto, mas logo desistiram. Sabiam que ela estava ferida demais para continuar lá. Leila era uma mulher com raiva, mas também não aceitava a amargura. A sua raiva a jogava na vida, a colocava em movimento. Por isso, deixar o cotidiano conhecido foi a única saída que vislumbrou diante da dor. Traída pelo noivo, com o pai doente e falido, Leila estava cansada de ser o assunto da cidade: suas amigas de infância, as candocas nas esquinas, os bêbados nos botecos, todos pareciam segui-la com o olhar, enquanto pensavam: “Coitada! Foi só o pai ficar pobre e o noivo a trocou por uma mais rica”. O que mais a incomodava era a falsa piedade nos olhares. Ela, professora, sem dificuldades conseguiu a transferência para São Paulo, onde encontrou paz. Virou a moça madura, simpática e respeitável do bairro. Mas não namorava ninguém. Encaminhou os três irmãos mais novos, que ajudou a casar, e cuidou do pai até a sua inevitável morte, de velhice. Mais de 10 anos após a mudança, ela e a irmã eram conhecidas entre os vizinhos como “as solteiras”. E não ligavam. Gostavam da independência. Até que numa tarde, enquanto escolhia numa loja de tecidos um corte de seda, um vendedor fez seu coração acelerar. Leila quis dizer a si mesma que aquilo não era nada. Mas o homem não saía de sua cabeça. Ficou feliz como nunca quando, no sábado, recebeu dele uma ligação, um convite para irem ao cinema. Entre os dois, a conversa era fácil e os gostos, comuns. Dorival, porém, era separado e tinha dois filhos jovens. Leila, mais uma vez, surpreendeu a todos: aceitou o namoro e, dois meses depois, foi morar com ele. Pela primeira vez na vida, Leila se sentia uma mulher completa: companheira, amante, cúmplice. Mas a plenitude durou pouco. Dois anos após conhecê-lo, saiu cedo para trabalhar e o deixou ainda na cama. Quando voltou, ele continuava deitado. Ela estranhou, foi acordá-lo, mas ele não respondeu: seu coração havia parado. Todos apostaram que Leila ia enlouquecer, morrer de tristeza. Mas ela se recusava mesmo a se entregar à amargura. É que pensava assim: viver o amor havia sido um presente da vida. E, para ela, já era o suficiente para se considerar feliz para sempre.

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