quarta-feira, 4 de maio de 2011

Técnico e perfeito

Marcílio surpreendeu-se quando Giovana lhe explicou sobre os botões. Lá no fundo, ficou envaidecido. Achou que aquilo era um grande elogio. Não percebeu que, nas entrelinhas, Giovana tentava dizer que o sexo entre os dois estava cada vez mais automático, sem emoção.

— É o seguinte: eu sempre gozo com você. Afinal, você sabe apertar os meus botões. Sabe do que eu gosto e como eu gosto. É inevitável não gozar!

Juntos há 15 anos, Giovana e Marcílio se conheciam muito bem na cama. Quando casaram, ela era bastante jovem e sua experiência com o sexo oposto era limitada. Marcílio foi um ótimo professor, teve paciência e foi mostrando a Giovana como quebrar preconceitos.

Se Marcílio sabia como conduzi-la, ela também não ficava atrás: tinha de cor o percurso que levava o marido ao êxtase. Nunca falhava.

O problema é que ela fazia aquilo automaticamente e, às vezes, querendo acabar logo com o sexo, lançava mão de sua tática para dormir mais cedo. Tinha uma preguiça enorme de começar a transar, nunca tomava a iniciativa, vivia dando desculpas e arrumando brigas. Odiava o jeito como ele a abordava, sem preliminares, mas não sabia como mudar e, sem ver saída, se entregava. Gozava, mas depois queria dormir, rápido, e muitas vezes chorava sem ele perceber. Enfim, não era feliz.

Giovana, porém, não achava ter o direito de ser infeliz. Afinal, sabia ser uma mulher invejada. O marido a desejava o tempo todo, não a traía e vivia fazendo tudo o que ela queria. Mas, começou a perceber que, além do sexo, a relação a entediava. Pequenas coisas a irritavam. A incomodava, por exemplo, não poder ficar só de calcinha na sua própria casa.

— Se fico pelada, ele vem se esfregar. É um saco porque, na maioria vezes, só quero ficar à vontade. Me sinto um pedaço de salame observado por um cão faminto — dizia.

Giovana ficou anos neste dilema. Um dia, bebendo com algumas amigas numa mesa de bar, ela ouviu Angélica, uma colega mais velha, contar sobre a noite passada. A moça tinha dormido com um cara que conhecera recentemente. A turma quis saber dos detalhes.

— Foi tecnicamente perfeito! — disse Angélica.

A frase trouxe uma certa polêmica à mesa. Cíntia, a mais romântica do grupo, não entendeu:

— Como assim? Então, você está apaixonada! Quer que ele volte, não é?

— Não. Mas se rolar de novo, tudo bem.

— Não é possível! Como o sexo pode ser perfeito sem sentimento?

Foi aí, como num clique, que Giovana entendeu o seu dilema. O diálogo das amigas jogou uma luz na sua vida. E ela mesma deu a resposta a Cíntia.

— É simples, Cíntia. Ele soube apertar os botões certos. Para isso não é preciso amor ou paixão. É pura técnica. Dá pra viver assim uma vida toda. E, quer saber, isso é mais comum do que a gente pode imaginar.

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Publicado na Diário DEZ! em 27 de julho de 2008




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