terça-feira, 10 de maio de 2011

Tarde de domingo

Elizabeth até desistiu de beber a saideira. Ficou com tanta raiva do ex-namorado, tão indignada pela grosseria dele com a noiva, que deixou o bar triste e com um único pensamento: “Se era esse o tipo de mulher que ele queria, ainda bem que nós não demos certo”.

Rodrigo e Elizabeth foram namorados por algum tempo. Mas, sem muita explicação, se separaram e cada um arrumou um outro parceiro. Dois anos depois, se reencontraram com a velha turma de amigos, cada um com o seu atual a tiracolo.

— De repente, ele, pra fazer graça, apertou um peito dela e fez ‘fom-fom’, como se fosse a buzina do Chacrinha, dando uma bela gargalhada no final. Na frente de todo mundo! Parecia um louco! A menina ficou sem graça, mas não falou nada. Eu levantei e fui embora. Fiquei com pena dela, triste por ele, que parecia decadente, e arrasada por mim. É que, depois daquilo, que esperanças eu poderia ter? Quero dizer, de voltar com o Rodrigo? Só conseguia lembrar de meu pai... — Elizabeth me disse.

— Do seu pai? — perguntei.

Elizabeth, então, resolveu me contar uma velha lembrança de uma tarde de domingo:

— Na televisão, um programa de auditório cantava músicas populares na sala, mas nenhum dos dois prestava atenção. Eles se espremiam no sofá, o melhor lugar da casa naqueles dias quentes — suspirou, com um sorriso nos lábios.

— Eu estava no meu quarto, brincando com bonecas e amigos imaginários, quando escutei as risadas abafadas que vinham da sala. Tinha uns 7 anos. Abri a porta do quarto e fui espiar meus pais namorando. Meu pai estava com uma mão em um dos seios da minha mãe, que reclamava melosa, com um tom de dengo na voz: “Pára, bem!”. Eles logo perceberam a minha entrada no corredor. Meu pai levantou a cabeça e me encarou com olhos brilhantes. Nessas alturas, eu já estava encostada no batente da porta da sala. Ele me deu um sorriso com ar de quem fazia uma travessura, e me mandou uma piscadinha: “Oi, filha, você está aí? Vem cá com a gente!”. Depois de me encherem de beijos, o meu pai se encarregou de me despachar, com um tapinha na bunda: “Agora vai brincar que eu vou ficar aqui, namorando a sua mãe...”

Elizabeth tinha uma certa adoração pelo pai. O ar sempre brincalhão e o corpo grande e cheio de pêlos, para ela, era sinônimo de segurança e também de aconchego:

— A barriga dele parecia uma almofada onde eu podia deitar minha cabecinha e dormir — lembrou.

Com o pai, e a forma como ele tratava a mãe, aprendeu que o desejo não era pecado, mas também que a intimidade não devia ser exposta publicamente.

— O meu pai podia parecer ousado, mas nunca, nunca mesmo, envergonhou a minha mãe. Nunca faria “fom-fom” no peito de uma mulher.

Publicado em 3 de agosto de 2008

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