quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Saudades da vida

Publicado na revista Diário Dez em 11 de maio de 2008

Ela era mulher de 47 anos. Solteira por opção, Lenice era feliz: realizada no trabalho, vivia bem com a família e cercada de amigos. Mas (sempre há um mas), apesar de estar bem, às vezes caía numa certa melancolia.
Sentia um não-sei-quê de tristeza sem motivo, mais parecido com uma saudade de algo que não conhecia. Ao mesmo tempo, a sensação intuitivamente lhe dava uma estranha esperança por algo que não tinha a menor idéia do que podia ser.
Mais jovem, Lenice pensava em se casar. Sonhava com o vestido branco, a igreja enfeitada de flores, a lua-de-mel, a casa própria decorada do seu jeito. Mas, para ela, tudo isso só tinha lógica se fosse ao lado de um par perfeito.
Seu sonho, porém, nunca deu certo. Não aceitava traições e conheceu várias. E preferia se afastar quando o relacionamento começava a se transformar naquele jogo de inevitáveis ataques deliberados, iniciado sempre quando um parceiro quer magoar o outro.
No fundo, Lenice alimentava o sonho de encontrar um amor, mesmo sabendo que era um desejo que parecia adolescente e romântico demais para quem tinha 47.
Há pessoas que descobrem o amor de forma inesperada. Tem quem, num curto espaço de tempo, vive um romance intenso e sem pudores. E pares que, assim que se conhecem, parecem companheiros de longa data.
Foi um amor com todas estas características juntas que Lenice viveu.
O namoro começou num domingo, graças a uma amiga que lhe apresentou um colega de trabalho, Caetano.
“Eu já estava desencanada e pensei: ‘Mais um que vai virar amigo’. Mas conheci mesmo foi o meu príncipe encantado”, me contou outro dia.
A atração entre os dois foi imediata. Olhares curiosos, conversa mansa, desejo.
Lenice viu partir daquele homem uma ternura que não conhecia. E, depois daquele dia, pareciam estar juntos desde sempre. Famílias se conheceram, novos laços se formaram, e uma felicidade nunca vivida parecia que nunca ia acabar. Lenice lembrava-se da velha melancolia e sabia: “Era dessa vida que eu sentia saudades”.
Seis meses depois de se conhecerem, eles foram atropelados por uma realidade trágica, mais parecida com um drama de cinema: Caetano caiu doente. E não era uma bobagem, mas um mal incurável no estômago.
Nos três meses seguintes, Lenice praticamente não saiu de seu lado. E, a cada dia, ela acompanhava a dor do homem que amava sabendo que, aos poucos, ele morria. A ela só cabia esperar.
Caetano se foi há um ano. Lenice tenta tocar a sua rotina. Mas, depois da morte, a velha melancolia voltou a aparecer. Agora, porém, ela sabe do que sente saudades.
“Vivemos nove meses como se fossem uma vida inteira e intensa. E eu me sentia mulher dele, de verdade. Sei que encontrei um amor que poucas pessoas sentem, um amor que transcende o corpo e o sexo”.

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