segunda-feira, 19 de outubro de 2009

As quatro do Fusca

Publicado em 16 de março de 2008

As quatro do fusca Vera fez a proposta. Queria sair com suas três amigas para ter uma conversa franca. Elas viviam num tempo de sonhos e dividiam um espaço de dúvidas, mágoas e apreensões. E lá foram elas. Vera ao volante do Fusca. Era noite e ela parou o carro em uma praça. Do lado de fora, uma chuva forte; do lado de dentro, vidros embaçados, respiração oprimida, nós nas gargantas. O objetivo: falar abertamente umas às outras sobre o significado daquele homem para cada uma. E ouvir sem rancores. “Eu fui a primeira a falar”, me contou Vera, uns 15 anos depois. Naquela noite, disse às amigas não saber o porquê de ele exercer sobre ela tanta atração. “Simplesmente não consigo lhe dizer não”. Tinha um pouco de vergonha das outras três. Como se o envolvimento com ele fosse uma traição ao grupo. Como se, confessando seu caso, desse a elas a prova para a condenarem. Suzana era a mais tranqüila. Falou de transas que para ela não tinham importância. Ela se entregava por passatempo, ele era mais um na sua vida, não queria magoar ninguém, mas só curtir o sexo livre. “Não entendo as angústias de vocês”. Roberta confessou uma atração platônica, que em princípio a assustou porque há muito o tinha rotulado como pessoa perigosa e mantinha na ponta da língua a lista de seus defeitos. Mas a moça havia tido coragem e conversara com ele sobre o assunto. “Descobri que era só admiração fraternal”. Por último, Lúcia, que sempre parecia a mais frágil e ingênua das quatro, falou que se sentia seduzida, que tinha curiosidade e resolveu experimentar. “Queria provar algo que as outras já haviam provado. Por que eu não posso?” Foi uma conversa tensa e muito não foi dito. “Nenhuma de nós disse se sentia por ele o amor sem dúvida, sem culpa”, lembrou Vera. Não falaram também de como era o sexo com ele. É perdoável, disse para Vera. As quatro estavam saindo da adolescência e não entendiam bem a diferença entre amor, paixão, sexo, sedução e atração. Nada grave, já que várias mulheres envelhecem sem compreenderem como tais emoções são diferentes. Mas o pior é que não falaram de como cada uma se sentia em relação à outra: havia ódio, ciúme, inveja? Solidariedade, compreensão, cumplicidade? “Hoje, pensando bem, acho que o valor daquela conversa foi a tentativa de manter a amizade entre nós. Mesmo um bocado imaturas, a gente queria conviver com honestidade”, me disse Vera. No fim da conversa, elas concluíram, muito ingenuamente, que aquele rapaz tão envolvente era um grande vilão, um manipulador frio. Não deram a ele chance de defesa. Não o chamaram para um enfrentamento. Pouco a pouco todas se afastaram e o deixaram sem nenhuma explicação.

Nenhum comentário: