quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Um Olhar de Prazer


Publicada em 30 de dezembro de 2007


Aline conheceu Marcelo durante um réveillon. Corpo moreno do verão, roupas brancas e Copacabana inundada de gente, velas e flores para Iemanjá. Na festa, ela se sentia tão linda, que sabia que era a caça. E também caçava.
Ao amanhecer, Marcelo a chamou e eles voltaram juntos para a praia. Foram molhar os pés. De lá, seguiram para um apartamento e, em um quarto, se afundaram no colchão. No meio da manhã, enquanto ele dormia, Aline se foi. Mas, à tarde, Marcelo ligou.
“Vamos sair hoje mais uma vez?”.
Foram jantar e passearam de mãos dadas, como velhos namorados. Ficaram mais uma noite e fizeram todas as promessas que nunca devem ser feitas a ninguém. E, no dia seguinte, ela partiu para São Paulo. Mas ele não sumiu.
Telefonemas, cartões, e-mails, tudo dele a alcançava. Nos primeiros meses, ele ia vê-la e os dois se curtiam em hotéis de luxo dos Jardins. Alugaram no carnaval uma quitinete em Copacabana e passaram o feriadão felizes, andando na orla, dançando em bailes chiques, comendo em lanchonetes festivas.
Na Quaresma, porém, a vida começou a mudar. Algo, ela sentia, não ia bem.
Na Páscoa, Aline foi para o Rio. Lá, nada de intimidades em apês simpáticos. Ficaram no quartinho que ele alugava no fundo da casa de um senhor, muito longe da praia.
Foi aí que Marcelo lhe fez a acusação que doeu como uma facada:
“Você mente para mim”.
O ataque enjoou o seu estômago. A desconfiança é uma péssima companhia do amor.
No inverno, Marcelo perdeu o emprego no Rio e foi morar com a mãe em São Paulo. Marcava encontros com Aline em hotéis decadentes do Centro. Até que chegou o aniversário dela. Faria 22. Era um domingo. Ligou para ele:
“Vamos sair?”.
“Não, vem para a minha casa.”
Ele, então, explicou onde morava: um ônibus e depois outro, até o ponto final, do outro lado da cidade.
O frio congelava os ossos de quem estava na rua. Na pequena casa, a mãe fazia coxinhas para fora, enquanto ele, os irmãos e os sobrinhos se amontoavam sob cobertores em dois sofás. Assistiam televisão.
Aline entrou e ninguém se mexeu. Nem ele. Ficou na cozinha com a velha senhora, ele vendo TV e a tarde passando. No início da noite, ela pediu: “Me leva até o terminal?”.
Mal-humorado, Marcelo trocou de roupa e foi com ela. Quase uma hora de viagem, os dois quietos, sentados no fundo do ônibus.
Ao chegarem, ele já grosseiro, Aline olhou para aquele chuvisco cinza, e finalmente percebeu o quanto estava cansada. Encarou Marcelo com um certo prazer. Chegara a sua vez de dar o troco. Ele não esperava: “Quer saber? Foda-se!”.
E ela o largou lá, sem ação, com a dor de quem leva uma facada no orgulho. Nunca mais soube dele. Nem ele dela. Os dois pegaram seus ônibus e choraram até suas casas.
Depois, simplesmente se esqueceram.

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