segunda-feira, 11 de agosto de 2008

POR CINCO MINUTOS


Publicada na coluna ELAS SABEM DEMAIS em 18 de novembro de 2007

A moça nem respira ao volante. O trânsito quase parado ajuda na sua observação assustada, em
princípio muito indignada. Depois até emocionada. E, no final, resignada.
O olhar fixo está naquele grupo de pessoas que acorda na manhã cinzenta da cidade. O chuvisco
de São Paulo gela o ambiente. Um a um, vão saindo de barracas feitas de lona meninas e meninos de pele meio manchada, despenteados, de roupas largas, amassadas e rasgadas, rostinhos sujos.
Mulheres esguias e grosseiras, que um dia foram bonitas, também estão por lá com suas saias
rodadas. Uma delas, a que está um pouco mais afastada, se põe de cócoras e, com uma caneca de
alumínio cheia de água fria, lava um bebê de pouco mais de 1 ano. É um pequeno andante, que ela solta em seguida para ver cambalear desajeitado até cair na grama batida.
Os homens morenos usam botas, calça jeans envelhecida, camisa meio aberta mostrando parte
do peito e, na cintura, um facão. Estão reunidos numa rodinha, conversando baixo, mascando fumo, ameaçadores.
Uma fogueira aquece o café perto da barraca maior. Uma velha toma conta do fogo. A fumaça
desenha fantasias no ar e deixa todo o ambiente mais misterioso. O menino maior vai até a calçada, se aproxima da avenida e olha os carros passando devagar no congestionamento. Um dos carros de vidros fechados é o de Alba.
“É impossível imaginar o que ele pensa”, fala sozinha a moça ao volante. O menino se volta de repente e joga longe um pedaço de madeira que tem na mão, numa brincadeira. Alba se assusta e dá um grito abafado, que ninguém escuta.
Mais calma, a motorista pensa, com lágrimas nos olhos: “Essas crianças precisam de cuidado!”
Tem ímpetos de sair do carro para enfrentar toda aquela gente estranha, para “salvar” os pequenos. Mas, de repente, percebe outra coisa: “Parecem felizes...” Se sente ainda mais confusa após olhar de novo para a cena, agora com outros olhos, e perceber todos juntos, compartilhando o café, sorrindo e brincando sem nenhum ar de preocupação.
Uma curva e o pescoço de Alba se esforça para não perder outros detalhes do grupo. Até que não
é possível vermais nada. Os prédios já escondem os ciganos acampados na praça. E a cena toda não durou mais do que cinco minutos.
E só então Alba volta para o trânsito e para si. Olha para o espelho retrovisor, admira o reflexo
de seu rosto, retoca o batom, ajeita a franja lisa e loira, respira fundo, acelera e esquece completamente tudo o que viu e sentiu.

2 comentários:

Jorge Cordeiro disse...

Seus textos estão deliciosos!!! beijos!

Unknown disse...

salve vivi!!! surpresa boa tencontrar por aqui, minina! quanto tempo, hein?! muito bom saber que cê têm passado lá pelo meu cafofo virtual. só falta agora se juntar a mim e ao mau na nova temporada da minha festa [SamBaCana Groove]. a próxima de sp é no dia 27, lá no salvador dalí. simboralá?! [me aguardem com café no bule pruma visita ao blog docês, hein?!]. aquele abraço. .i.