quinta-feira, 7 de julho de 2011

Milagres acontecem

Yone não conseguia explicar ao certo o porquê, mas se emocionou desde o primeiro dia em que a viu. Médica pediatra especialista em problemas gástricos, ela estava acostumada a atender crianças com saúde debilitada. Mas, quando Luísa e sua mãe foram ao seu consultório, ela se sentiu estranhamente tocada. Pediu exames e, ao receber os resultados, ficou ainda mais impressionada:

— O que ela sofria provocaria em qualquer pessoa uma dor muito intensa. Mas a menina nunca chorava. Só tinha expressão de dor.

Luísa estava com 2 anos, mas não se desenvolvia como as demais crianças. Com um problema mental severo, ela tinha reações de um bebê de 3 meses. Também havia adquirido um refluxo crônico e, por causa disso, sofria com várias irritações no seu aparelho digestivo. De tempos em tempos, a menina tinha crises e não conseguia comer. Nestes períodos, a família era obrigada a interná-la para que não desidratasse. Ela podia morrer em casa. Mas a pequena nunca chorava.

Médica experiente, Yone sabia que o mal da garotinha era raro e muito difícil de tratar. Curá-la, então, impossível. Na conversa que deveria ter com a mãe para dar o diagnóstico, pensou: “Devo ser honesta. Ela não vai sobreviver muito tempo”.

Cara a cara com a mãe, porém, teve que engolir o nó na garganta que quase a fez chorar. E disse:

— Vamos tratá-la da melhor forma possível. O caso é complicado, mas a gente nunca pode deixar de acreditar que milagres acontecem.

Yone sentiu o olhar admirado da mãe de Luísa atravessá-la. Acostumada a lidar com médicos, a mulher se surpreendeu com aquele “milagres acontecem”, que não tinha nada a ver com a racionalidade dos doutores que conhecia. Yone também se assustou. Não era religiosa e sentia como se não fosse ela quem tivesse dito aquilo.

O tempo passou e as crises da menina foram rareando. Luísa ganhou peso e novas expressões. Após alguns meses, outros exames mostraram que as irritações haviam desaparecido. Comendo normalmente, a menina parecia mais feliz. Não tinha mais expressão de dor e passou a sorrir.

Mas Luísa tinha mesmo um problema grave e qualquer doença simples podia derrubá-la. Foi o que ocorreu. Uma infecção de garganta comum a toda criança, com uma febre de mais de 40 graus, a fez voltar às crises do dia para a noite e ela não resistiu. Morreu numa tarde de primavera.

Yone não se conformou. E, então, foi a mãe da menina quem lhe explicou o que aconteceu.

— A senhora disse que a gente tinha que acreditar em milagres. E ele aconteceu, não percebe? O milagre foi Luísa ter vivido tão bem e feliz neste final de vida que ainda tinha neste mundo.

Publicado na Diário DEZ em 07 de setembro de 2008

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