sexta-feira, 6 de junho de 2008

OS PÉS DE FLORA

Publicada na coluna ELAS SABEM DEMAIS em 28 de outubro de 2007




De todas as histórias que já ouvi sobre dormir de meias, a mais curiosa foi a de Flora. Minha amiga não é nada burguesa, mas nunca dispensa o par de meias na hora de ir para a cama.
Suas meias têm estampas infantis, combinam com suas camisolas e pijamas coloridos e não importa a temperatura da noite: elas estão sempre lá, protegendo seus pés.
Flora explica que dorme de meias desde os 20 e poucos. O motivo? Um grande amor, talvez o único de sua vida, que acabou casando com outra que engravidou primeiro.
Mesmo com tanta desilusão, ela se ilumina quando lembra que o amava perdidamente. Que os beijos eram doces, o sexo era ótimo, os orgasmos freqüentes, mas que, depois do rompimento,
o que nunca conseguiu esquecer mesmo foi daquela sensação dos pés do outro nos seus pés. “Era como se nossos quatro pés fossem um único pé, entende?”, pergunta, chorosa.
Se peço para ela contar mais, dar mais detalhes pra eu entender essa história, Flora fecha os olhos e entra em transe.
Primeiro um sorriso se desenha no seu rosto e ela suspira ao lembrar da antiga paixão. Diz que sente imediatamente o volume e o frio dos pés do outro, a aspereza dos seus calcanhares masculinos, o toque das unhas mal aparadas e até o roçar dos pêlos que ele tinha sobre o peito do pé. E aí solta outro suspiro.
De repente, quando percebo, Flora já está aos prantos e diz que só deseja que ele também suspire sempre, com a lembrança dela e de seus próprios pezinhos delicados, número 33. São minúsculos os pés de Flora.
“E foi por isso que passei a dormir de meias. A
cada novo namorado, a cada novo amante, mais que companhia e sexo bom, o que procuro é a mesma sensação nos pés. O pior é que são mais de 20 anos nesta busca”.
É assim que ela se comporta: no primeiro encontro nunca usa as meias. É a esperança de reencontrar a sensação que alimenta a sua loucura. Mas, a partir do segundo encontro, colocá-las é inevitável. É como um impulso doentio que não consegue evitar. Não usar meias lhe provoca náuseas e tremedeiras.
Flora diz que é por causa dessa obsessão que sempre está só. Os homens com quem sai nunca conseguem satisfazê-la. E, além de tudo, é lógico que acham a meia brega.
Mas, penso, eles até devem ter razão!
Minha amiga exagera. Imagina só, no meio da empolgação, nua em pêlo, a mulher sempre pára tudo, abre a bolsa, cata um par de soquetes e o calça. E sem dar a menor explicação.


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